APERTADA, por Ana Lia Almeida

Imagem copiada da revista Galileu

Estava muito inquieta a moça de vestido amarelo na parada de ônibus. Consultava as horas compulsivamente, resmungando um tal de ai meu Deus, cadê esse busú, que não chega, a maior agonia. E balançava as pernas para lá e para cá, sem sair do canto, contorcendo o corpo numa aflição danada. Rita discretamente se aproximou dando conta do banheiro no mercadinho ali perto. Pedindo direitinho, a deixariam usar, bastava entrar no beco à direita, atravessar a rua e caminhar umas três ou quatro casas.

Agradeço, viu, senhora, mas vou segurar, mesmo. Estou muito atrasada e periga eu perder esse ônibus, já tem quarenta e cinco minutos que estou esperando aqui, a senhora acredita? Como é que pode um negócio desses? Eu fico para não viver! Porque patrão, patrão não quer saber se o transporte passou do horário. A gente é que se vire, não é verdade? Agora, se a senhora me der cobertura, eu tenho coragem de fazer xixi ali na esquina, atrás daquela caçamba.

Rita não titubeou, indo com a moça até o outro lado da rua, sob os olhares indiscretos de todos que estavam no ponto. Algumas mulheres balançavam a cabeça e cochichavam umas com as outras em tom de reprovação, enquanto dois meninos desataram a rir, se sacudindo de tanto achar graça.

Detrás da caçamba, Rita procurava a melhor posição para cobrir a moça, que rapidamente foi se acocorando, suspendendo o vestido comprido, afastando a calcinha e finalmente se aliviando. Já mais calma, agradeceu pelo apoio e se apresentou: Jucilene. Começava a se ajeitar quando Rita avistou a condução chegando. Elas correram de volta à parada e subiram, com a ajuda dos meninos gaiatos, que pediram ao motorista para esperar.

De tanto ter demorado, o ônibus vinha lotadíssimo. Rita e Jucilene mal tinham onde se segurar, espremidas antes da catraca, perto dos meninos. Que sufoco, hein, tia? E as duas riram, junto com outros passageiros que haviam testemunhado a situação e também se amontoavam na parte traseira do busão. Se não fosse essa aqui, ó, Jucilene apontava com o queixo pra Rita, nessa hora vocês tavam tudinho aguentando a catinga, num imprensado desses.

Rita começou então a contar de quando ela passou mal a viagem toda, segurando o xixi. Era a primeira vez que ela ia na casa de dona Laura, pra ver se conseguia o serviço. Estava muito nervosa e por isso teve a ideia de levar uma garrafinha repleta de chá de camomila, para ajudar a se acalmar.

Rita precisava muito do trabalho, desempregada há mais de ano, mas não fazia ideia do que era pra dizer numa Entrevista de Emprego, assim com esse nome chique, como dona Laura tinha falado ao telefone. Além do mais, tinha medo de se atrasar ou se perder porque não conhecia o bairro do Altiplano, era muito longe de Mandacaru, onde morava, tendo que descer na Integração e pegar outro transporte.

O ônibus também demorou muito a passar naquele dia e nessa espera ela foi tomando ansiosamente a garrafa inteira de chá. Resultado: Rita se espremendo o caminho todo, rezando para o motorista desviar dos buracos e passar devagar nas lombadas. Chegou na casa de dona Laura e pediu logo para ir ao banheiro, morrendo de vergonha.

E a senhora conseguiu o emprego, tia?

Eu não me lembro o que disse na tal da entrevista, mas faz quinze anos que estou lá. Só não sei se chego hoje, porque vai demorar uma vida para atravessar esse busú.

Ô, motô, abre aqui atrás pra tia descer, por favor.

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