A CASA DO MEU AVÔ, por Babyne Gouvêa

O casal Cidinha e Inácio Gouvêa e Eugênio Neiva, pais e avô de Babyne, fotografados na Cascatinha do Alto da Boa Vista, no Rio de Janeiro (RJ), no início dos anos 40

…“A casa de meu avô…
Nunca pensei que ela acabasse!
Tudo lá parecia impregnado de eternidade”…
(Manuel Bandeira)

Em ‘Evocação do Recife’, os versos do extraordinário poeta modernista pernambucano despertam-me lembranças do meu avô materno, Eugênio de Lucena Neiva, e do sítio onde morava, localizado em extensa área verde que nos anos 50 e 60 margeava a Epitácio Pessoa, principal avenida da capital paraibana.

A propriedade ocupava uma área que se estendia do local onde hoje funciona a Usina Cultural da Energisa até a clínica de radiologia Nova Diagnóstica, cujo terreno foi vendido por meu avô ao usineiro Renato Ribeiro Coutinho. Já a parte de trás do sítio pegava do muro do Asilo Santa Catarina ao prédio do antigo Ipep, aí incluído o Hospital Edson Ramalho.

A morada ampla e seus vários compartimentos acomodavam bem meu avô e três filhos solteiros, dos onze que teve com Maria Teresa (Nini), avó que não cheguei a conhecer. Guardo na memória os mínimos detalhes da casa grande e seu entorno, lugar de tantas alegrias da minha infância. Da entrada principal à despensa onde os mantimentos eram armazenados, tenho tudo bem gravado na minha saudade.

Na sala de estar, o piano onde minha mãe tocava divinamente ‘La cumparsita’ para o deleite de quem estivesse presente, atento e enlevado pelos acordes de Dona Cidinha. E a radiola Phillips, adornada por lindo móvel de madeira na saleta contígua, pronta para tocar os discos de vinil de maravilhosa coleção? No mesmo ambiente, um telefone preto com discagem em anel de metal reluzente, afixado na parede. O aparelho era seguramente um dos pioneiros da cidade.

Os demais cômodos – quartos, salas, corredores etc. – eram todos enormes na visão de uma criança como eu, que também se encantava com o cheiro bom que exalava de todo o interior da residência. E em meio a odores e proporções alentadas na minha percepção, uma imagem particularmente marcante: meu avô deitado na rede, em seu quarto, um cantinho só dele, onde gostava de receber os netos, sempre com palavras carinhosas.

Vô Eugênio tinha o hábito de escrever cartas para os parentes mais distantes, a exemplo do seu primo Epitácio Pessoa, presidente da República no quadriênio 1919-1922. Era algo que fazia no ‘gabinete de leitura’, vizinho ao quarto de dormir. Seu birô era uma escrivaninha de esteirinha bem antiga.

Circulando por outros espaços da casa, passando pelo imponente relógio de coluna com seu pêndulo anunciando as horas, chegávamos à cozinha que atraía a meninada interessada nos quitutes das nossas tias, sempre exibindo os seus dotes culinários em fogão à lenha, posteriormente trocado por um a gás.

Quando a criançada não invadia a cozinha nos intervalos das brincadeiras, corria para debaixo das árvores de onde apanhava ou derrubava frutas muito disputadas em animadas competições pra ver quem comia mais ou arroxeava mais a língua com tinta de oliveira.

Parava de brincar quando via meu avô alimentar suas aves ou, então, ao vê-lo entrar na mata do sítio para inspecionar seus domínios. Ficava preocupada em momentos assim e tranquila quando o via retornar de sorriso largo no rosto, principalmente no instante de reencontrar Cidinha, a filha predileta.

Chegava a tarde e a hora do cafezinho, sagrada. Pão francês quentinho com queijo, acompanhamento mantido pela tradição entre os descendentes de vovô Eugênio. Satisfeitos, enfim, sob as mangueiras nos maravilhávamos com o canto das cigarras anunciando procriação, sem percebermos o passar das horas.

Ao final do dia e da visita, a despedida abalava bem pouco a nossa alegria. Porque voltávamos para nossas casas na certeza de sermos recompensados em breve com o retorno à casa de vovô Eugênio.

É BOM ESCLARECER
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