ENCHENTE, por Ana Lia Almeida

Imagem meramente ilustrativa (Foto: Daniel Búrigo/A Tribuna)

Tão cedo da manhã, o sol já era o de meio-dia. A cidade inteira, um imenso cuscuz abafado. Rita fervia dentro do ônibus, indo para a casa de D. Laura, mas pelo menos vinha sentada, no lado do corredor. O passageiro ao seu lado instalou-se em frente à janela, barrando todo o vento que já era pouco, até mesmo porque o buzú mais parava que andava, engasgado no engarrafamento de todos os dias. Quando pegava um sinal aberto e uma faixa livre, o vento corria e a alegria era grande. Mas durava pouco. Logo em seguida, parava de novo, e tinha gente a ponto de desmaiar de calor.

Alguém chamou o nome de Rita, duas fileiras atrás. Era Taci, sua vizinha, guardando o lugar que acabara de vagar. Por sorte o rapaz de pé em frente ao banco respeitou, cedendo o assento à jovem senhora que rapidamente se deslocou até lá. Menina, que calor é esse, Rita já chegou reclamando, deixa eu sentar nessa janela um pouquinho pelo amor de Deus.

Logo cedo já está desse jeito, hein, Rita? Desde que eu moro aqui nunca tinha passado tanta quentura, tô achando que tá mais quente esse ano, não está? Rita fez que sim, com a cabeça, se abanando. E pouco choveu no meio do ano, não foi? Época de São João, que está sempre chovendo, foi quase seco, esse ano está doido. Olhe, eu não sei o que é pior: época de chuva ou esse calorão todo. Vida de pobre é sofrida de todo jeito, andando no sol quente ou debaixo do aguaceiro. Não vê esse povo de carro aí embaixo, ar-condicionado no máximo, quando chove, também, não faz nem diferença pra eles.

Logo que eu cheguei de Jaboatão, sabe, Rita, eu fui morar numa vila que tem perto do Rio Jaguaribe. É São Rafael, ali, uma casinha bem pequenininha, que dava para a ponte. Teve uma vez que choveu dois dias seguidos sem parar, enchente braba, e o Rio teve uma cheia. Quebrou até a ponte. A água entrou em casa e levou tudo: sofá, televisão, armário de cozinha, a geladeira novinha que eu tinha acabado de comprar, tudo, tudo que eu tinha. Sobrou só as coisinhas do meu quarto. Uma tristeza, perder tudo que você tem de uma hora para a outra.

Mas a gente tá sempre dando a volta por cima, né, Taci? A vida não roda, não, ela capota. Um dia esse pessoal tá no bem bom, no friozinho desses carros chiques, dinheiro que não tem nem onde gastar. Dando tudo fácil pra esses meninos aí, ó, que não sabem nem atravessar uma rua. No outro dia, não estão mais aqui e fica o povo todinho brigando por herança. Desse jeito. Melhor viver a vida simples, mesmo que passe mais calor. Vai descer na próxima, não é? Cuida.

  • A fotografia que ilustra esta crônica foi copiada do site 4Oito
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