NO CABRESTO, por Babyne Gouvêa

(Imagem copiada e adaptada do Fórum da Construção)

D. Severa iniciava o seu dia com uma série de espirros. Não reprimia nenhum deles. Corria para o beco lateral da casa para praticar esse hábito, com escarros sonoros, acordando as suas vizinhas vitalinas, sem compaixão.

Seguindo um ritual diário passava nos quartos acordando os marmanjos – seus filhos adultos -, que a obedeciam sob a Lei de Chico de Brito. E ai deles se tentassem permanecer deitados. Ali mesmo já forravam as suas camas.

O xodó dela era a sua caçula. Preparava logo cedo o seu jerimum com leite, antes de a filha seguir para a escola. Amassava o legume já cozido provocando o movimento das mamas que, de tão volumosas, pareciam fazer parte do alimento.

As tetas de D. Severa eram enormes e caídas se apoiando no ventre. Quando cortava o pão com a serra passava ‘fino’ nas próprias dando arrepios em quem presenciava. Não tinha o costume de usar a roupa íntima para sustentá-las e o peso das glândulas mamárias provocou-lhe uma postura nada esguia.

Sentava à mesa do café da manhã do lado oposto ao Sr. Castor, seu marido, sempre acompanhado da cadela Lolita – uma fiel companheira. Ele colocava no prato tomates cortados em rodelas; comia uma e dava uma outra ao cão. Foi o primeiro canino comedor de tomates que se tem notícia na história dos canídeos.

Após o desjejum, D. Severa reunia os pratos numa pia e cada um dos filhos fazia a lavagem do que tinha usado. Eles deveriam fazer um serviço impecável senão haveriam de retornar à lavagem. A desobediência provocava nela o levantamento lateral do lábio superior – sinal de furor já conhecido pelos familiares.

Todos saíam para os respectivos trabalhos e D. Severa aproveitava para limpar a casa. Colocava o Sr. Castor à frente da cozinha para preparar o almoço. Ficava inspecionando o serviço do marido sempre emitindo pitacos e broncas. E quando o cozinheiro experimentava o conteúdo da panela ela batia em sua mão fazendo voar comida para tudo que é lado.

“Severiana – esse era o seu nome -, olhe o que você fez”, dizia o marido. Ela respondia: “É pouco; agora, limpe”. Esse era o dia a dia do casal. Ela dando ordens e ele obedecendo, numa perfeita simbiose.

Ele tinha a mania de usar os antebraços juntos à cintura subindo a calça do pijama com a qual passava o dia. Esse sestro era um demonstrativo de temor à consorte.

Certo dia, um dos filhos resolveu comprar uma lambreta e, todo satisfeito, levou-a para a sua casa estacionando-a no terraço. Efusivo, levou a mãe para ver a sua aquisição. A reação materna não podia ser diferente, deu-lhe umas bofetadas. O motivo da ira foi ter posto a lambreta num local recém-lavado por ela.

D. Severa exibia alguns pelos grossos no queixo e ausência de alguns dentes em sua prótese dentária, assobiando à medida que dava ordens. Essa imagem, junto a outras características físicas, a deixavam parecida com uma personagem de Fellini. A verdade é que era uma figura temida pelos vizinhos, talvez pelo seu biotipo um tanto ameaçador.

Providenciar presentes de aniversário não era problema para ela: alguma residente na sua rua tinha a ‘obrigação’ de lhe ceder uma caixa de sabonete, um biscuit, ou qualquer outro objeto, caso contrário coitada da vizinha não teria mais sossego. Ela pedia sem constrangimento e era prontamente atendida.

A mesma coisa acontecia quando resolvia fazer um bolo. Na falta de manteiga, por exemplo, exigia de alguém; da mesma forma, demandava ovos do galinheiro vizinho. Pronto, tinha todos os ingredientes fornecidos involuntariamente pelas moradoras.

A segunda televisão da rua foi instalada em sua casa. Os vizinhos se acomodavam no piso da sala principal recebendo o odor dos gases emitidos pela cadela Lolita. “Dê chá de erva-doce a essa cachorra, Castor”, dizia ela. Os convidados tinham o direito, apenas, de assistir à novela da época. Era uma advertência irrevogável.

Terminado o episódio, os telespectadores eram enxotados para as suas moradas. D. Severa, sem papas na língua, dizia: “Se avexem, todos pra casa dormir, vão pegando o caminho da rua”.

Afinal, chegava a hora do descanso da família Marques. Pelo menos durante a madrugada todos seriam poupados do cabresto da matriarca.

É BOM ESCLARECER
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2 Respostas para NO CABRESTO, por Babyne Gouvêa

  1. Aldo Prestes escreveu:

    Severa até no nome.

  2. Deliciosas lembranças, escritas com esmero.
    A minha única dúvida: será que o apelido Severa não era um pleonasma?
    Parabens, Babyne!