UM GRANDE LEGADO HISTÓRICO LIBERTÁRIO, por Francisco Barreto

As origens dos eventos de maio de 1968 na França | Exame

França: os eventos de maio de 1968 começaram com protestos universitários em Sorbonne (Reg Lancaster/Daily Express/Hulton Archive/Getty Images). Foto e legenda copiadas da Exame

Voltando a Maio de 1968. Não seria uma agenda gerida pelos enfants gatés, segundo os comunistas, que iria seduzir a classe operária. O operariado relutou em se subordinar a qualquer agenda politicamente tentadora.

Na formação imediata de uma aliança de classes – a pequena burguesia não tinha como conduzir processos revolucionários – “c´est la poussière du monde”, como dizia Lenin. A insurreição estudantil nunca teve um expresso projeto político visando à tomada do Poder. Para os socialistas e comunistas, os valorosos jovens eram vitimados pelo “esquerdismo, doença infantil do comunismo”.

Não tinham os estudantes rumos estritamente revolucionários. Sempre pretenderam se contrapor pela força da indignação política e moral diante da injustiça no trabalho face ao domínio do capital. Não tinham organicidade política e partidária. Ausência de estratégias e plataformas políticas de projeto de sociedade foi lacuna jamais preenchida.

Os estudantes vinham de uma base social com incipiente formação politica intelectual. Poderiam seduzir a classe operária pela combativa força nas ruas, mas nunca conduzir o operariado. Segundo as teses das Internacionais Socialistas, as revoluções seriam sempre prerrogativas históricas das vanguardas proletárias.

O espontaneísmo de suas lideranças, a indisciplina e desorganização político-partidária apenas iriam de modo carbonário alçar um voo livre e cego das ações estudantis, juvenis, que se extinguiram rapidamente. Mas a luta motivada pelas emoções e desejos sexuais libertários contribuiu intensamente para o clima de revolucionarização da juventude e do mundo universitário.

Alain Touraine, admitia, de forma indiscutível, que Maio de 68 marcou a transição de um mundo industrial operário para um mundo urbano universitário.

Provavelmente, meio século depois é bem possível que hoje os protagonistas da insurreição demonstram um certo alívio pelo fracasso da revolução que pregavam, ao tempo em que ainda celebram o impacto das transformações que conquistaram contestando o Poder nas ruas.

Ocorreram mudanças na vida político-partidária com a emergência de novas forças políticas progressistas, combinadas com a decadência de uma sociedade patriarcal. Importantes transformações e reformas pedagógicas e curriculares no sistema de ensino nas universidades e liceus. Admitiu-se a liberdade de expressão e de conhecimentos heterodoxos no mundo estudantil.

Um dos grandes legados, talvez o maior de Maio de 1968, foi ter reeditado as históricas contribuições e os valores humanos revolucionários que a França sempre creditou com generosidade à Humanidade. As lutas pela Liberdade, Igualdade e Fraternidade serão sempre ícones sagrados da consciência humana.

Entre outras importantes conquistas, as universidades e os liceus enquanto aparelhos ideológicos do Estado, segundo Louis Althusser, passaram a conviver e aceitar as contradições políticas e sociais e as liberdades de expressão em seus ambientes acadêmicos. Foi esmagado o monolitismo político ideológico. A Universidade de Vincennes em Paris foi implantada como fortim e concessão aos docentes e alunos de esquerda. Vivi de perto esta rica experiência.

O discurso elaborado que não houve legou apenas as palavras de ordem e/ou as sentenças inspiradas no ardeur de la jeunesse, seus desejos, la joie de vivre, a liberdade, a sexualidade livre. Clichês que apenas se cristalizaram nos muros.

Foram reeditadas as vozes e os escritos sobre a liberdade pronunciadas na França desde a Revolução Francesa.

Pronunciou-se uma forte e dinâmica cultural no imaginário dos jovens franceses. E novas relações sociais e trabalhistas emergiram com força. O poder decisório centralista nas fábricas, nas universidades e nas instituições públicas foram fraturados pela admissão de novos sistemas de gestão e cogestão, mudando internamente a relação de forças entre os protagonistas.

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