PODERES, A QUEDA LIVRE E O RÉS-DO-CHÃO, por Francisco Barreto

“Independência ou Morte’, quadro de Pedro Américo

O Brasil de hoje iletrado, inculto e desprovido de educação e consciência politica relega os seus heróis e heroínas ao mais injusto esquecimento de sua história.

Homens como José Bonifácio, Frei Caneca e formidáveis mulheres do populacho como Joana Angélica, Maria Quitéria, Barbara Heliodora e a Princesa D. Leopoldina, cada um ao seu modo e lutas, foram artífices da Independência do Brasil. Em 1822, foram construtores do ato da Independência perpetrado pelo Príncipe Pedro I, vacilante e envolvido em incursões amorosas com D. Domitila de Castro, expondo escandalosamente seus rompantes libidinosos que por pouco não fraturaram a sua autoridade de Regente.

Diante das hesitações do imperador, entra em cena o Senado, no inicio de 1822. Foi edificado o Clube da Resistência, em cuja gênese estava a Loja Maçônica “Comércio e Artes”, encabeçada por Gonçalves Ledo e José Clemente Pereira, então presidente do Senado, que de início pugnou pelo Fico. Ato contínuo, pressionado pelo Senado e a Maçonaria, o regente Pedro de Alcântara, em 9 de Janeiro daquele ano, convencido de seu papel histórico, secundado por valorosos patriotas maçons e profanos, deu um grande abraço ao Brasil.

A Inglaterra patrocinou a independência com os dispêndios de dois milhões de libras esterlinas.

Em agosto dos ainda 1822, por unanimidade o Senado, via Clube da Resistência, coadjuvado pela valente Maçonaria, foi instado a proclamar a Independência e a realeza constitucional do Brasil.

Assim, na tarde de 7 de setembro de 1822, D. Pedro limitou-se, com seu gesto, apenas a promulgar o que já fora resolvido a 20 de agosto no Grande Oriente do Brasil.

Com os registros da crônica histórica e social, findou a dominação colonial com enorme protagonismo do Senado de textura maçônica, impedindo este que o regente não deslizasse em queda livre para o rés-do-chão da história.

História que prossegue para o advento da República diante do estarrecimento nacional debruçado sobre a incapacidade da monarquia de atender aos interesses e demandas da sociedade brasileira.

Homens como Aristides Lobo, Benjamin Constant, Rui Barbosa, Quintino Bocaiuva, José do Patrocínio e muitos outros membros do Congresso Nacional, aliados ao insatisfeito Exercito Nacional, tendo à frente Deodoro da Fonseca, rumaram à edificação da República tão prenunciada pelos ideais federalistas do Manifesto Republicano de 1870.

Nas crises intestinas da Monarquia e da República, exceto nos episódios ditatoriais, os congressistas sempre tiveram a ousadia e o senso patriótico ao enfrentar as crises que devastaram o país. Hoje, os passos dados pelo Congresso Nacional, diante da avassaladora crise pandêmica, o Parlamento brasileiro, coadjuvado pela enorme contestação que assoma à Nação, traz à tona o valente histórico exercício da representação popular.

Ninguém neste país é capaz de desvendar os fatos que se seguirão. Mas a conduta congressual começa a indicar que irá se postar nas trincheiras de luta pela salvação nacional diante da brutal incapacidade do Poder e do Governo Central de bloquear a inaceitável perda de vidas que se somam aos milhares, e que partiram sem terem tido a suprema oportunidade de uma profilaxia vacinal ou terapêutica tão necessária e urgente à continuidade da vida.

O Poder Central, renitentemente imobilizado por amarras incompreensíveis e inaceitáveis, transita no submundo da incompetência e da incúria públicas.

Os recentes e decididos gestos e atos movidos pelo estarrecimento e a indignação nacional talvez logrem impedir que em breve tempo possa evitar a celeridade e o avanço desumano ao ir além de 300 mil mortes. Os sofrimentos dos que perderam os seus se somam aos milhões. Há que se estancar essa mortandade infame.

Sabemos que da tristeza nasce a esperança. Em nenhum momento histórico nacional, as crises da sociedade brasileira conviveram com tamanha insanidade. O Congresso Nacional tem o formidável desafio restituir a dignidade humana e assegurar a perenidade da vida das pessoas.

Neste lampejo de extraordinária esperança, conduzido pelo Parlamento brasileiro, só Deus o sabe se será estancada a perda de vidas e se finalmente veremos que os nossos eleitos não irão também se esparramar no rés-do-chão da história.

Estamos todos em queda livre num despenhadeiro em que faltam mãos fraternas para nos segurar.

Não temos alternativas. No momento temos apenas a morte e a morte. Não há um só dia em que, sobressaltados, acordamos sob o pesadelo buscando saber quem serão as próximas vitimas. A luz que nos ilumina já não é a mesma.

Esperemos que haja a ressureição do espírito dos nossos heróis do passado. E que estes, longe do maniqueísmo e das perversidades sociopatas e ideológicas, souberam ser caminhantes de olhos abertos e nos conduziram pelas veredas da paz e da democracia nacional.

Hoje, como ontem, os representantes do povo têm uma histórica missão: não permitir com suprema coragem que o nosso destino seja o rés-do-chão tão próximo do silêncio sepulcral.

Inspiram-nos os exemplos do passado nacional. Independência e vida, sim; intendência, não.

UM RIO MARCADO PRA RENASCER

Rio Jaguaribe (João Pessoa) – Wikipédia, a enciclopédia livre

Rio Jaguaribe assoreado: ameaçado de morte por acentuada poluição e degradação ambiental (Foto: Wikipédia)

Ascendino Leite morreu há mais de dez anos, mas não morreu o sonho dele de ver o Jaguaribe renascer como rio. Dele e de milhares que habitam João Pessoa desde os 60 do século passado, testemunhas da crescente agonia do hoje riacho prestes a morrer por sufocamento, feito paciente de covid em estado terminal.

Insuficiência respiratória: escritor Ascendino Leite morre aos 94 anos em  João Pessoa - PB AGORA

Ascendino faleceu em 2010, aos 93 anos

Desfrutei certa proximidade com o aclamado escritor em 2007, se não me falha a memória pouca. Naquele ano, confiaram-me a coordenação do Conselho de Notáveis do velho Correio da Paraíba de guerra. Um colegiado de avaliação editorial no qual também luziam, além de Ascendino, estrelas como Sandra Moura, Luiz Augusto Crispim, Teotônio Neto e Afonso Pereira, entre outros luminares.

Nas reuniões quinzenais do órgão, invariavelmente Ascendino cobrava-me cobranças aos governos de todas as esferas. Cobranças que poderia fazer em socorro do Jaguaribe no espaço que me cabia. Era colunista do diário mais lido do Estado, à época líder de circulação e da força de opinião que até há pouco era uma das marcas do jornal impresso. Atendi. Escrevi artigos com fortes apelos em favor da causa. Em vão.

Ascendino, cidadão do mundo, das letras e do jornalismo, conhecia de leitura ou de ver de perto o que fizeram com rios urbanos na Europa, por exemplo. Sonhava algo parecido pro nosso Jaguaribe. Um rio desassoreado em toda a sua extensão, despoluído em todo o seu curso e leito, perenizado e volumoso o suficiente para servir, até, de via navegável para transportar gente e coisas.

Pois bem, a boa notícia é a nova e fortíssima chance de o Jaguaribe voltar a ser o rio dos sonhos do piancoense Ascendino e deste nativo da capital paraibana. A possibilidade vem do Programa João Pessoa Sustentável, que a prefeitura municipal, sob nova direção, garante fazer acontecer finalmente já a partir de abril próximo. Tudo graças ao apoio do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).

Esse apoio significa investir R$ 1,1 bilhão – metade bancada pelo governo municipal com recursos próprios – na melhoria da infraestrutura urbana, principalmente mediante recuperação de áreas degradadas da cidade. O Rio Jaguaribe foi incluído no grupo prioritário merecedor das primeiras doses da verba emprestada pela financeira internacional, segundo contrato negociado e fechado em gestões anteriores.

Negociado, fechado, mas muito pouco ou quase nada executado, o que teria exigido da nova gestão da Prefeitura da Capital razoável esforço para convencer o BID a desistir de cancelar o financiamento. Por inércia de aplicação. Mas isso é outra história, carente da apuração que permitirá concluí-la amanhã. Por hoje, importa mais lembrar Ascendino Leite e o sonho de que o Jaguaribe é mesmo um rio marcado pra renascer.

PREPOTÊNCIA OFENDE E PODE MATAR, por José Mário Espínola

(Imagem copiada do JusBrasil)

Após rever a paciente em seu consultório, analisar os exames apresentados, especialmente a ultrassonografia muito bem detalhada, feita pelo Dr. Roberto Ney, o médico-assistente (MA) chegou a um diagnóstico definitivo. E disse à paciente ansiosa, à sua frente:

– A Senhora é portadora de um tumor, benigno, na glândula suprarrenal, acima do seu rim esquerdo. E esse tumor o que está provocando as crises de hipertensão, elevando a sua pressão a níveis preocupantes.

A paciente ficou aflita:

– O que fazer, doutor?

– O caso tem tratamento, mas exclusivamente cirúrgico. A senhora ficará boa, definitivamente, saindo da área de riscos de um acidente vascular cerebral, por exemplo.

– O senhor opera?

– Não, sou apenas clínico. Vou procurar me informar quem faz esta cirurgia aqui na nossa cidade. Quanto mais rápido, melhor.

O MA consultou os colegas da área. Foi então informado que a cirurgia era muito difícil e delicada, não havendo ainda suporte pós-cirúrgico na cidade.

Um colega nefrologista recomendou um médico de Recife, uma sumidade na especialidade, que fazia essa cirurgia rotineiramente, inclusive nos Estados Unidos. O médico-assistente lembrou-se imediatamente dele. E disse para o colega:

– Logo o Dr. Medalhão?! Ele é muito estrela…

– Mas é uma sumidade… Deixe comigo! – prontificou-se o nefrologista, garantindo que falaria com o Doutor Medalhão, recomendando o caso.

Dois dias depois, o MA comunicou à paciente as informações obtidas. Que à época ninguém fazia esse tipo de cirurgia em João Pessoa, mas em Recife havia um excelente cirurgião, que trabalhava num bom hospital, que poderia operá-la. E repassou o número do telefone do Dr. Medalhão, que no contato informou que não operava por planos de saúde, que a cirurgia teria que ser em caráter privado.

Consultada a família, que tinha em Teresa, irmã da paciente, uma líder, a data, o hospital e os valores da cirurgia foram acertados. Durante as tratativas, ela perguntou ao Dr. Medalhão se o Dr. MA poderia assistir e este, por sua vez, informou que não poderia estar presente em razão de compromissos profissionais. Mas procurou tranquilizar a família.

No dia marcado, Teresa deu a noticia ao Dr. MA: na data agendada, a paciente fora operada e estava passando bem. Relatou, contudo, que algum problema acontecera durante a cirurgia, pois fora bem mais demorada que o esperado.

Teresa pediu encarecidamente que o Dr. MA fosse com ela fazer uma visita à irmã, no hospital. Pediu com tanta veemência que o médico aquiesceu. No dia seguinte, partiram para Recife.

No hospital, MA encontrou a paciente com bom aspecto, ligeiramente descorada, porém sem queixas. Pressão arterial normal. Ausculta cardíaca normal. Mas, quando foi auscultar os pulmões da paciente, o Doutor gelou! A incisão cirúrgica, muito longa, da cicatriz umbilical à região dorsal, logo acima da crista ilíaca, estava visível. À DIREITA!

Veio a dúvida: não era o rim esquerdo?? Dr. MA não se precipitou. Nada disse à paciente nem à família. E retornou à capital paraibana com aquela dúvida martelando a cabeça. Uma viagem sem graça.

Na mesma noite, foi até o consultório para ver o prontuário da paciente. Lá estava bem claro o resultado da ultrassonografia: tumor na glândula suprarrenal ESQUERDA!

MA constatou que havia sido operada a glândula errada da paciente. A paciente teria que ser reoperada.
Pouco dormiu essa noite, pensando nos riscos e consequências. Ela ficaria sem as duas glândulas, teria que fazer uso de hormônios para o resto da vida.

Dia seguinte, ligou para a irmã da paciente, relatando tudo: a constatação do erro, a sua confirmação, os riscos, a necessidade da reoperação. Ligou, também, para o nefrologista que havia indicado o Dr. Medalhão, pedindo-lhe que se comunicasse com o colega do Recife, para tomar uma decisão sobre o que fazer com a paciente. Afinal de contas, havia sido uma referência dele, nefrologista, que se havia prontificado a comunicar o caso ao cirurgião, assim tendo feito.

O nefrologista recusou-se a admitir que o seu ídolo tivesse cometido algum erro médico. Após MA ter lido para ele o laudo da ultrassonografia, disse que iria pensar. Mais tarde ligou de volta, para dizer que não telefonaria para o Dr. Medalhão, pois era uma situação muito vexatória. Assim, deixou o Dr. MA com a batata quente na mão.

Mais um dia e a paciente teve alta hospitalar, retornando para João Pessoa. Dr. MA recebeu, então, a visita dos irmãos da paciente que vieram do sertão para saber com detalhes o que havia acontecido. Dispunham-se a ir até Recife para tomar satisfações com o Dr. Medalhão.

Dr. MA procurou acalmar os ânimos: o momento exigia serenidade, pois havia a necessidade de tomar uma atitude que beneficiasse a paciente. E telefonou para o Dr. Medalhão. Que esperneou do outro lado da linha, não admitiu que tivesse cometido um erro médico, que aquilo nunca lhe acontecera na vida profissional.

Dr. MA esperou que o Medalhão parasse de estrebuchar, disse-lhe que tinha provas documentais de que tinha havido um erro e lembrou-lhe o artigo 29 do então vigente Código de Ética Médica, que versava sobre erro médico. O doutor continuou a bradar, indignado.

Dr. MA disse-lhe, por fim, que os irmãos da paciente, todos sertanejos brabos, vieram da cidade de Patos dispostos a ir conversar com ele, caso MA não obtivesse sucesso. Silêncio do outro lado da linha… Segundos após, mais calmo, voz mansa, Medalhão anunciou que iria rever o caso, se necessário reoperar a paciente. Mas pediu que somente Teresa lhe telefonasse, para acertar tudo o que fosse preciso.

A cirurgia foi remarcada para dali a duas semanas. A irmã da paciente exigiu a presença do Dr. Médico-Assistente na cirurgia. O que foi acertado.

***

Na data marcada, Dr. MA estava lá na sala com a paciente, após ter se apresentado a um afável e atencioso Dr. Medalhão, que ficou na sala de estar do centro cirúrgico, aguardando a sua equipe preparar a paciente. Só então ele entraria, com o toque-de-mestre.

Na indução anestésica, a paciente logo adormeceu e o anestesista passou a tentar a intubação da traqueia. Foi quando começaram as dificuldades. O médico não conseguiu fazer com que a cânula endotraqueal entrasse pela glote, pois a paciente tinha o pescoço muito curto e não exibia o ângulo laríngeo. Nervoso, suando em bicas, tentou um bom tempo e… Nada!

Chamaram o anestesista da sala vizinha, que também não obteve êxito. Para piorar o clima, surgiu o Dr. Medalhão nervoso, que brigou com todo o mundo e falou, aos brados:

– Foi a MESMA COISA NA OUTRA CIRURGIA! Vocês não têm a competência para realizar uma intubação!

Nesse ínterim surgiu uma luz. Foi quando a sedação começou a perder o efeito, a paciente esboçou uma respiração. Aí, foi possível ao anestesista visualizar a epiglote, podendo passar a cânula pela glote. E a cirurgia pode ser realizada com sucesso.

***

Analisando o acontecido, as palavras do Dr. Medalhão deixaram claro para o Dr. MA o que havia causado o erro: na primeira operação, o cirurgião, prepotente e arrogante, diante do que estava acontecendo deu um show de grossura e contaminou toda a sua equipe, criando um clima de medo generalizado. E retirou-se para a sala de estar, deixando seus assistentes com o problema.

Pouco depois, muito provavelmente a paciente voltou a respirar, viabilizando o acesso da cânula, permitindo assim que a cirurgia pudesse acontecer. Quando finalmente prepararam a paciente para ser operada, esta foi colocada no DECÚBITO ERRADO. O cirurgião, retornando à sala de cirurgia, operou a glândula oposta.

Esse tipo de cirurgião era muito encontrado na medicina do passado: ostentava arrogância e prepotência para que nunca fosse questionado. Não sabia trabalhar em equipe. Comportava-se sempre como uma prima-dona. Felizmente, não existem mais. Os cirurgiões de hoje sabem o que é trabalhar em equipe, com maior benefício para os seus pacientes.

***

O episódio acima, real, deixa bem claro a importância do líder, quando se está diante de um problema coletivo. Se ele for tranquilo, porém decidido, transmitindo firmeza, chega-se à melhor solução possível e desejada. Se ele, reconhecendo as suas limitações, não tem liderança, não tem serenidade, só sabe agir provocando um clima de terror e de insegurança, contaminando os seus liderados, termina levando-os para a direção errada.

Com muita preocupação, vemos que atualmente é o que está faltando ao paciente Brasil: uma liderança sábia e serena, que saiba trabalhar em equipe e dê o bom exemplo. Que comande todos os seus liderados, especialmente aqueles que têm poder de decisão para resgatar a saúde plena da população. Caso contrário, o resultado será uma catástrofe. O genocídio a que estamos assistindo, por exemplo.

SONHAR É PRECISO, por Babyne Gouvêa

Ilustração

(Imagem: Getty/BBC)

Com o aparecimento de vírus tão letal, um pensador passou a administrar o sentimento que tomou conta dele – a saudade do cotidiano – e procurou diversas formas de conviver com tal situação.

No início, difícil, muito difícil. Medos, quebra de rotina, indecisões sobre certo ou errado… O banzo que lhe envolvia seria o causador de suas agonias e hesitações, avaliou. Resolveu, então, enfrentar o que lhe angustiava dando um alô ao imaginário, seu melhor aliado, e apelou à alucinação que lhe apresentou um leque de alternativas para saber lidar com tantas aflições.

Essa opção funcionou como idealizadora de desejos aparentemente absurdos, mas possíveis de se concretizar, embora morador de uma nação carente de civilidade num grau que beira o irracional. Começou a fazer conjecturas.

Quem sabe uma transformação radical e repentina no comportamento da população, deixando todos menos desiguais e vulneráveis. Que tal governantes despertando para o seu verdadeiro papel na sociedade, dispostos a proporcionar educação, moradia e alimentação dignas às crianças, por exemplo?

Os pensamentos fluíram em torno dos cidadãos tendo acesso rápido aos serviços essenciais de saúde, ousou imaginar também todos os cidadãos se direcionando exclusivamente às atividades e condutas assertivas com generosidade e empatia. 

A sua fértil imaginação arriscou uma vida em sociedade sem comprometer a capacidade das gerações futuras de suprirem as suas próprias necessidades, contando com a sabedoria dos seus conterrâneos sobre a importância de aderirem à sustentabilidade ambiental. Os pulmões do planeta seriam poupados.

Todos esses modelos têm sido imaginados pelo pensador no período de isolamento imposto pela Covid. Um tanto romanceada, é verdade, mas a sua viabilização seria compensatória depois de um longo momento de tormento e incertezas. Segundo ele, esse estado onírico tem funcionado como enorme facilitador de dias tão sofridos. Afinal, concluiu, sonhar é preciso!

  • Babyne Gouvêa é Biblioteconomista

O BOM E JUSTO COMBATE DE LÚCIA, por Waldir Porfírio

Lúcia Rocha (imagem do Instagram do autor)

Lúcia Rocha, minha camarada do PCdoB por várias décadas, foi mais uma vida ceifada pela Covid. Ainda não me acostumei nessa normalidade anormal que estamos vivendo. O coração sangra com cada amiga ou amigo devorado pelo vírus e as lembranças vêm como turbilhão de momentos que estivemos juntos.

Gostaria de prestar minha homenagem a esta guerreira, uma das heroínas da luta do povo brasileiro. Natural da Piauí, Lúcia Rocha, ou Marilú, iniciou sua militância na Bahia no movimento estudantil e como membro da organização Ação Popular, que combatia a ditadura civil-militar. Em 1968, já formada em História pela UFBA, sob os horrores do Ato Institucional nº 5, ela foi para Recife onde trabalhou numa clínica e no Conselho Regional de Assistentes Sociais.

Após a sua incorporação ao Partido Comunista do Brasil, em 1973, viajou com nome clandestino para o interior do Maranhão para dar apoio aos militantes da Guerrilha do Araguaia. Havia feito um curso de parteira e trabalhava na pequena cidade de Santa Luzia (MA) ajudando mães pobres nos serviços de parto. Era conhcecida e querida pelo povo do lugar como “Branca”.

Sabendo que as forças da repressão estavam circulando na região próxima à cidade e que sua vida corria perigo, andou três léguas a pé até pegar um ônibus em Santa Luzia (MA). Numa das barreiras policiais, avistou o carrasco torturador e assassino Delegado Freury. Passado este momento de desespero em ser reconhecida, continuou a viajem até Picos (PI), onde morou por um ano.

Com as prisões, torturas, assassinatos e delações de vários camaradas, e procurada pelos agentes da repressão, Lúcia Rocha transitou com nomes falsos pelos Estados de São Paulo, Pará, Ceará e Pernambuco, trabalhando em várias empresas e indústrias até o advento da anistia em 1979.

Chegou à Paraíba em 1982, quando, no ano seguinte, casou-se com o dirigente comunista José Rodrigues Costa. Aqui, Lúcia Rocha fez parte da direção estadual do PCdoB, trabalhou no jornal O Norte e na CAGEPA, onde aposentou-se. Foi uma militante exemplar na frente sindical e de moradia. Mas, o seu legado, foi no movimento de defesa das mulheres, quando fundou a União das Mulheres de Cruz das Armas e a União Brasileira de Mulheres (UBM), sendo, desta última, presidenta na Paraíba.

Passou a sua história para seu filho amado, Ramon Rocha, companheiro de todas as horas de agrúrias e alegrias, orgulho que manifestava em todas as nossas conversas.

Deixo meu abraço fraterno ao meu amigo Ramon, que conheço desde criança, à família de Lúcia Rocha, aos camaradas do PCdoB, às companheiras e companheiros que estiveram nas barricadas de luta por um mundo melhor e justo.

Waldir Porfírio é historiador

A VIDA EM SUSPENSE, por José Mário Espínola

    Cena de ‘Salário do Medo’: o desespero para tentar salvar uma vida

Salário do medo (Salaire de la Peur) é um excelente filme francês de 1952, dirigido por Henri Georges-Clouzot e estrelado por Yves Montand, ator nascido na Itália como Ivo Livi e posteriormente naturalizado francês. Ele viria a se celebrizar, também, como cantor.

Os personagens principais, quatro fugitivos da justiça francesa, vão tentar ganhar a vida trabalhando para a companhia americana que explora o petróleo da região e o povo da Venezuela. Esta, além do petróleo, explora o povo miserável que trabalha para ela.

O filme aborda o contrato para os quatro transportarem uma carga de nitroglicerina em dois caminhões, ao longo de uma estrada muito precária, cheia de todos os tipos de dificuldades.

O clima dos protagonistas até chegar ao destino é de medo durante toda a viagem: a qualquer momento, a carga, um explosivo sensibilíssimo, pode explodir e matá-los. Por pura necessidade eles mostram o que é viver em perigo.

O roteiro brilhante, a direção impecável e as interpretações criam um clima de suspense que inevitavelmente é transferido para os espectadores.

***

Ao assumir um plantão, o intensivista faz uma avaliação minuciosa de todos os pacientes internados na UTI sob os seus cuidados.

Para os casos mais críticos serão adotadas condutas de resposta rápida. Para os que estiverem estáveis o plantonista analisará a manutenção, ou não, da conduta atual.

Ou seja, o plantonista não espera que um dos pacientes sob os seus cuidados venha a evoluir de forma perigosa. O médico que toma a atitude de esperar que o paciente piore cria um clima de risco iminente para aqueles enfermos sob a sua responsabilidade. E gera suspense desnecessário e irresponsável para toda a sua equipe.

***

Há exatamente um ano, os brasileiros vivem como se estivessem assistindo a um filme de suspense. São doze meses de medo crescente, medo de adoecer, medo de morrer ou de perder um ente querido.

A pandemia não é exclusividade do Brasil, quase todos os países do mundo foram acometidos pela covid 19. Mas não observamos uniformidade na forma de enfrentá-la, tanto do aspecto sanitário como do ponto de vista econômico.

Ao longo desse período, tivemos a oportunidade de assistir líderes previdentes, como a primeira-ministra da Nova Zelândia, Sra. Jacinda Ardern, que agiu rápida e preventivamente tomando medidas de distanciamento, uso obrigatório de máscaras e fechamento do comércio.

Essas medidas, apoiadas coletivamente, evitaram mortes e foram suficientes para evitar que a economia viesse a ter um grande prejuízo. Esse foi um bom exemplo.

No extremo oposto, tivemos os maus exemplos de governos como da Itália e dos Estados Unidos. Não fizeram um diagnóstico precoce, não acreditaram no tamanho da epidemia e consequentemente amargaram um enorme prejuízo, de vidas e financeiro.

O então presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, enquanto pode, dificultou o combate à epidemia local. Espero que um dia venha a ser responsabilizado por isso.

Copiando o governo americano, o presidente da República do Brasil, Sr. Jair Messias(?) Bolsonaro, embora tenha recebido do então ministro da Saúde, Sr. Henrique Mandetta, um diagnóstico precoce da epidemia, desprezou os estudos científicos recomendando a prevenção, feitos pela equipe do Ministério da Saúde, menosprezou a gravidade da doença. Desde então, vem pregando escancaradamente contra a ciência, divulgando tratamentos cientificamente comprovados como ineficazes e estimulando a desobediência social contra as medidas emanadas das instituições científicas.

Diante da grave crise sanitária, o governo Bolsonaro adotou a estratégia de não fazer nada preventivamente. De esperar que o paciente se agrave. Para isso trocou os ministros da Saúde, Mandetta seguido de Nelson Teich, pondo em seus lugares o general Eduardo Pazuello, que desmantelou o ministério e adotou a conduta negacionista de seu ídolo.

Dessa forma, quando finalmente surgiu a certeza da realidade da vacina, único meio de imunização em massa contra o coronavirus, o que poderá significar, em médio prazo, o retorno à normalidade, ajudando a resgatar os danos causados na economia do país, o Ministério da Saúde optou por não garantir a sua compra. Deixou para depois.

A crise agravou-se, a epidemia voltou a crescer, os mortos já atingem a apavorante cifra de 270 mil, com uma projeção de chegar perto de um milhão de mortos em outubro próximo. Para isso conta com a displicência do governo federal, inclusive o presidente Bolsonaro.

Embora a vacina tenha sido oferecida ao Ministério da Saúde desde setembro do ano passado, oferta documentada, ela foi recusada pelo governo.

Coincide que, semelhante ao agora (felizmente!) ex-presidente dos Estados Unidos, o nosso presidente não acredita na ciência. Isso mesmo: ele tem a mentalidade retrógrada de um senhor feudal ignorante da Idade Média, cercado por figuras anacrônicas que pensam como ele, inclusive seus filhos.

O governo federal também não preparou esquema para vacinar ràpidamente a população, pois o Programa Nacional de Vacinação – PNI, do Ministério da Saúde, que um dia já foi modelo para o mundo, foi desprezado e sucateado.

Há meses o mundo já está vacinando os seus povos, mas o Brasil começou com dois meses de atraso. Isso porque deixa tudo sempre para a última hora. E vem se arrastando a ridículos 0,1% de pessoas vacinadas por dia.

A displicência é marca deste governo. O prazer pelo risco foi o que levou à crise do oxigênio no Amazonas. O ministro da Saúde foi avisado a tempo de que os estoques estavam se esgotando e resolveu pagar para ver, deixando tudo para a última hora.

A pior conseqüência dessa atitude irresponsável foi a morte por asfixia de centenas de pessoas, semelhante às câmaras de gás nazistas, que mataram milhões de pessoas pela asfixia causada por gases venenosos.

Tudo isso, associado à leniência das autoridades estaduais e municipais, hesitantes em tomar medidas duras para conter a coletividade, gerou o clima de suspense que estamos vivendo, beirando o pânico!

O brasileiro hoje consome uma quantidade de cortisol acima do tolerável por um organismo para se manter saudável. Este hormônio, normalmente liberado pelas glândulas adrenais quando a pessoa está submetida a algum perigo iminente, quando produzido em excesso provoca taquicardias, elevando a pressão arterial, podendo causar danos a outros órgãos, em especial o coração. Uma das piores conseqüências é o infarto agudo do miocárdio, que gera o risco de morte iminente.

Até quantas mortes vamos tolerar?

AS NINFAS DO SUS, por Francisco Barreto

Barreto, as vacinadoras e a torta, símbolo de gratidão e reconhecimento

Neste 13 de Março, como qualquer vivente fui contemplado com o privilégio assentado para recepcionar a vacina que poderia me conceder um sursis diante da pandemia. Iria ser uma exceção estatística dos milhões brasileiros que nos dias atuais erguem as mãos para os céus invocando a dádiva divina para se furtarem do desastre pandêmico que assola brutalmente a nação brasileira.

Esta angustiante expectativa, para todos, é circundada e ameaçada pela extinção da vida. Tempos sombrios conduzidos por irresponsabilidades públicas do poder central, amplamente conhecidas, que negligenciou a aquisição de vacinas capazes de poupar milhares de mortes em toda a Nação brasileira.

No citado dia, com a minha idade, no meio da tormenta iria ao encontro de um salvo conduto agendado que me concederia o beneficio de continuar vivo. Pairou em mim, contudo, inexplicável e insólito sentimento de rejeição a tal regalia, enquanto que os meus iriam permanecer nos umbrais de uma crise existencial expressa pela curta distância entre a vida e a morte. Estranha encruzilhada.

Assim, ao me encaminhar ao processo de vacinação, açoitou-me o estranho sentimento de que os meus filhos, netos e amigos todos continuariam a expensas de possíveis fatalidades pandêmicas motivadas pela incúria governamental. Continuei contornando a dúvida motivada apenas por razões emocionais. Segui com uma firmeza vacilante embora fraturado internamente.

Cheguei ao local da vacinação. Fui pronta e eficientemente atendido. Em não mais de cinco minutos passei a receber o precioso líquido ignorando a endiabrada premonição que poderia me transformar num crocodilus terrificus.

Naquele atendimento impecável, tudo metricamente organizado, o único gesto meu foi o de demonstrar a minha condição etária. Fui acolhido com exemplar profissionalismo por várias jovens com o brilho de seus delicados olhares, apiedados. Certamente pela minha condição provecta.

Antes de a vacina penetrar o braço, fui instado pela atenciosa atendente a observar a seringa, o êmbolo e o conteúdo. Contestei, disse que era desnecessário, que ela tinha a minha irrestrita confiança. Insistiu. Não me convenceu o argumento do protocolo obrigatório. Alegou que era algo sempre requisitado pelos que ali estiveram, momentos marcados por fotos e filmagens.

Não obedeci, nem me permiti efetuar os registros de imagens. Confiava na honestidade daquelas servidoras públicas. Compreendi de imediato que atos de desonestidades difundidas em outros locais haviam atingido inocentes e dedicadas vacinadoras a serem renitentemente fiscalizadas. Achei tudo isto um desrespeito fazer da desonestidade de alguns poucos uma jurisprudência da má fé.

Concluído o ato da vacinação, pedi a permissão de entregar à equipe uma oferenda, um simples gesto de gratidão diante de tão elevada missão por elas executadas. Era apenas simples uma torta de chocolate. Surpresa e alegria geral. Fui intimado a descer do carro e, cercado por valorosas e surpresas jovens, a fazer o registro fotográfico.

A minha gratidão resultou num gesto pelo visto sem paralelo ou similar nos múltiplos atendimentos anteriores. Com frequência, longe dos sentimentos gratificantes dos beneficiados, vicejavam por vezes a indiferença e a irritabilidade dos antecessores e provectos transeuntes para com as jovens que apenas procuram lhes assegurar a continuidade da vida.

Mesmo hesitante, com minhas inquietudes mais íntimas, compus uma cena onde as mais genuínas e justificadas emoções se entrelaçaram. Um momento formidável. Abandonamos o protocolar distanciamento e nos saudamos. Naquele instante, não havia mais espaço para o danoso vírus, o afeto tinha que ser vivenciado. E assim o foi.

Naquele rápido contato ficou a luminosa impressão de que aquelas jovens por competência e generosidade haviam demonstrado que longe da burocracia vacinal estavam ali conscientes a serviço da vida e de quebra exercitavam o afeto. Repartimos as nossas lágrimas. Fui embora convencido de que havia encontrado as Ninfas do SUS da Prefeitura de João Pessoa.

Que radioso encontro com aquelas que estavam a serviço da preservação da vida. Certamente elas exibiam a generosidade das antigas divindades gregas oriundas dos campos, das florestas e dos mares como nos transpiram a mitologia helênica. Elas reoxigenaram meus sentimentos de que o bem e o serviço publico de saúde nesta João Pessoa demonstram competência e afetuoso respeito ao cidadão numa hora em que se exerce o clamor popular pela preservação das nossas vidas.

MULHERES, por Ana Lia Almeida

Imagem: foto copiada de Multiflores

Rita cochilava em pé, o rosto apoiado no braço levantado que unia a mão firme à barra de segurança do ônibus. Sonhava aos pedaços no sacolejo da viagem, interrompida vez ou outra pela atenção à bolsa velha sufocada debaixo do outro braço.

Nessa vigília sonolenta já passava da metade do caminho quando a conversa de duas moças a despertou. “Eu ainda não entendi, me explique de novo”, perguntava impaciente a que ia em pé, bem ao lado de Rita, mãos apoiadas nas ferragens ao redor do banco em que a amiga ia sentada.

Conhecia bem o tipo, dessas pessoas folgadas que se espalham na condução ocupando lugares onde várias outras poderiam se segurar. A outra passou a repetir a história, agora em volume mais alto, e Rita desperta pôde reconhecer o enredo de um de seus quase-sonhos nos cochilos interrompidos instantes atrás: “Ele apareceu lá em casa com uma barra de chocolate e uma flor, todo meloso, dando os parabéns pelo dia das mulheres”. “E o que tem de errado?”, indagava a amiga, e Rita agora também queria saber.

A moça lamentava que nos dias de hoje os homens ainda parabenizassem as mulheres no dia oito de março, quando este era um dia de protesto feito para ir a passeatas e gritar contra as tantas coisas ruins que ainda aconteciam nesse mundo, o tanto que apanhavam e ganhavam salários menores que os dos homens etecetera e coisa e tal, por isso ela sabia que não ia dar certo com o tal do Marcelino.

Se ela havia devolvido a flor e o chocolate, quis saber a outra, que, de tão intrigada, havia levado uma das mãos ao queixo e assim liberado um dos apoios, prontamente ocupado por Rita. Não, não havia. A flor estava murchando num vaso e o resto do chocolate ainda estava ali guardado dentro da bolsa, se ela quisesse um pedaço. “Está servida também, senhora?”

Rita agradeceu e recusou, fingindo desinteresse na conversa. As meninas desceram em frente à faculdade. Sentada, retomou seus cochilos. Sonhou com Sandro Valério, o galã da novela, em frente ao seu portão com as mãos para trás. De repente, surge diante dela um buquê de rosas vermelhas e logo em seguida uma caixa de bombons de chocolate. O galã a toma em seus braços para um beijo apaixonado. Bem na hora em que o cobrador a acorda, já no fim de linha.