VACINAÇÃO CLANDESTINA, por José Mário Espínola

Vacinação clandestina em Minas Gerais

A imagem (de vídeo) mostra, supostamente, enfermeira preparando vacinação numa garagem de ônibus de BH

Nos Estados Unidos, nos anos 1930, foi promulgada uma Lei Seca de influência escancaradamente religiosa e conservadora com a melhor das intenções: combater o alcoolismo crescente no país. Mas trouxe consequências nefastas e desastrosas para a sociedade e a segurança pública daquele país que perduram até hoje. Porque aumentaram as atividades clandestinas e o contrabando de bebidas espalhou-se por todo o país.

Fomentada para satisfazer àqueles que gostavam de bebidas alcoólicas por vício ou puro prazer, a clandestinidade da venda nesse ramo foi o alicerce do moderno crime organizado norte-americano. A Lei Seca cairia depois, enfim, mas o gangsterismo cresceu de forma incontrolável, ampliou os negócios ilícitos para o tráfico e a distribuição de drogas e hoje é um verdadeiro câncer social nos EUA.

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Aqui no Brasil aconteceu um episódio que também pode ser atribuído à inconveniência de atitudes oficiais mal elaboradas. Mais exatamente da incapacidade de oferecer vacinas para uma população com medo. Quarta-feira, dia 24 de março, foi veiculada pela revista Piauí a denúncia de que um grupo de pessoas de elevado poder aquisitivo, capitaneado por empresários mineiros do ramo de transportes, promoveu uma vacinação clandestina numa garagem de ônibus de Belo Horizonte e dela participaram pessoas que teriam pago 600 reais por duas doses. Foram levantadas suspeitas de contrabando e outros crimes.

Paralelo ao episódio, a vacinação caminha “com passos de formiga e sem vontade,” como na música ‘Assim Caminha a Humanidade’, de Lulu Santos. O fato acontece no momento em que os brasileiros, ansiosos por vacinas, veem a vacinação se arrastar como uma lesma. Justo no país que já foi campeão de vacinação, líder mundial com o seu Programa Nacional de Imunização, o PNI.

Com o desmantelamento do Ministério da Saúde, realizado ao longo dos últimos 11 meses, o PNI, que no passado foi capaz de vacinar milhões de pessoas em uma semana, foi sucateado e se tornou um fantasma do que era. Paralelo a isso, o governo federal não tomou providências para a compra das vacinas, desde setembro do ano passado, quando estas lhe foram oferecidas para aquisição.

Seguindo cegamente a orientação do presidente da República, que em sua ignorância é contra as vacinas, o general ex-ministro protelou como pode a realização da compra de vacinas. Até recusou participar do consórcio da Organização Mundial da Saúde (OMS), quando poderia ter garantido a maior parte dos imunizantes. Diante da desorganização do Ministério que vinha se caracterizando pela lentidão em vacinar os brasileiros, o grupo mineiro tomou a decisão de ele próprio se vacinar. O fez de forma clandestina, mas fez.

Se nada for feito para acelerar o processo e a rapidez de vacinação, vamos tomar conhecimento de outros grupos vacinando os seus, para retirá-los da faixa de risco, oferecer-lhes mais proteção, já que o governo não faz o que manda a Constituição: “A saúde é direito de todos e dever do estado.” Já que o governo não faz… Não os culpo. Acho que é mais ou menos como pagar um plano de saúde por não poder esperar que o Estado ofereça assistência médica de qualidade.

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Ao longo da última semana, o Brasil foi inundado por notícias sobre o curso da pandemia de covid 19 que assola o país. A pior delas foi o triste recorde do número de mortes, desde o início da doença: mais de 300 mil em um ano! Mas também surgiram notícias alvissareiras. Destaco as principais.

O ex-ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello, foi demitido por insuficiência técnica e incapacidade administrativa e substituído pelo cardiologista Marcelo Queiroga, de formação exclusivamente científica. O novo ministro assumiu prometendo vacinar um milhão de pessoas por dia, já a partir de abril. Meta ambiciosa, mas possível de ser alcançada.

Basta dispor de vacina suficiente para manter o ritmo. Significa aplicar 270 milhões de doses até o final do ano! Ou seja: toda a população terá recebido pelo menos a primeira dose até 2022. Para desenvolver essa velocidade de vacinação, ele terá que aplicar uma logística que o ex-ministro não conseguiu implementar, apesar de se apresentar como especialista na matéria. Torço pelo ministro Queiroga nesse desafio. Há de ter sucesso, pois é determinado e competente. Se o presidente e seus comparsas não o sabotarem, nesse intervalo…

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As boas notícias não pararam por aí. Os presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco, e da Câmara, Artur Lira, fundaram um Comitê para acompanhar e administrar a epidemia, buscando centralizar as ações junto com o Ministério da Saúde. O Comitê deverá incluir ainda um representante do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a ser indicado pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Luiz Fux, também presente ao encontro dos chefes de poder, realizado no Palácio da Alvorada, com a presença do presidente Jair Bolsonaro.

Esse Comitê amortece a influência deletéria de Bolsonaro sobre a pandemia e realça protagonismo do senador Pacheco, mentor da iniciativa da unificação do combate à pandemia, tão ansiada pela nação brasileira e que chega com um ano atraso.

A necessidade do afastamento da cena e de bom comportamento do presidente da República ficou bem clara no recado dado na mesma tarde pelo presidente da Câmara, deputado Artur Lira, que ameaçou Bolsonaro de impedimento, caso não pare de atrapalhar a condução das ações de saúde e não deixe o ministro Queiroga trabalhar corretamente.

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Outra notícia animadora foi dada na sexta-feira (26): pela manhã, o Butantã comunicou que vai fabricar uma vacina anti-coronavírus, com perspectiva de ser lançada no mercado nos próximos seis meses. À tarde, o ministro da Tecnologia, o astronauta Marcos Pontes, comunicou apressadamente que a Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, que faz parte da USP – Universidade de São Paulo, universidade estadual, solicitou à Anvisa o registro de uma vacina em estudos que também será lançada brevemente. Não poderíamos ter notícias melhores, no meio de tanta tragédia sanitária. Que surjam outras, cada vez mais.

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Pesando os prós e os contras, em termos políticos a semana passada pode ter sido a melhor dos últimos dois anos. Em respeito às milhares de pessoas que perderam as suas vidas, espero que isso seja o início de uma virada e outras semanas ainda melhores venham a acontecer.

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