CANSAÇO, por Ana Lia Almeida

Imagem meramente ilustrativa. Foto: Brasil de Fato/Pernambuco

Mas você está cansada de quê? A dois passageiros de distância, Rita se pôs a imaginar seus mil motivos para responder àquela pergunta que o rapaz fez à moça bem ali do lado. Sua noite mal dormida por causa da azia depois do cuscuz com leite no jantar. Suas horas extras para pagar a prestação do celular novo de Maria Clara assistir às aulas dela. O serviço que era muito na casa de Dona Laura. As varizes que ao fim dos dias doíam cada vez mais em suas pernas.

Estou cansada das suas brigas, do seu ciúme, de você não querer deixar eu fazer as minhas coisas. Estou cansada de você, Eugênio. Os olhos de Rita se encontraram com os de algumas outras pessoas que estavam ali perto do casal em crise. Os muitos passageiros que ouviam a conversa partilhavam expressões de assombro ou divertimento enquanto Eugênio continuava com o braço enlaçado na cintura da moça como se aquilo tudo não fosse com ele.

Calma, neném. Não me chame assim, já disse mil vezes. Ah é, e por acaso ele não te chamava de nenhum apelido carinhoso, hein? Está vendo só, Eugênio, é disso que estou falando; eu vou-me embora. A moça foi abrindo caminho entre os colegas da condução e Eugênio gritando que aquela não era nem a parada dela, que o motorista não abrisse a porta porque tinha uma mulher louca querendo descer fora do ponto, que ela ia se perder e podia ser atropelada, e nisso a moça já descia correndo as escadas do ônibus em direção à rua.

Cinco segundos de silêncio no lotação. Depois disso, foi o homem chorando alto com as mãos no rosto e o falatório generalizado, os mais de perto explicando aos de trás o que tinham visto e enfeitando a história de mil modos. Que a mulher não gostou do cara tê-la chamado de neném e foi-se embora; que um tal de Efigênio tinha levado um chifre daquela moça que saiu correndo; que um passageiro estava batendo na mulher mas ela conseguiu fugir e uma hora dessas deveria estar na delegacia com a Maria da Penha; que havia uma mulher louca no ônibus que fugiu correndo do irmão.

Rita, que era da turma dos mais perto e assistira a tudo com a maior atenção, não quis se meter. Não confirmava nem desmentia nada, concentrada em seus pensamentos. Sujeitinho esquisito, o tal do Eugênio. Não era à toa que a moça havia se cansado. Ficou lá gritando depois chorando, a maior cena, mas parado feito poste. Porque não foi atrás dela? Vai ver teve uma livrança deixando esse daí para trás. Agora, isso era lá conversa de se ter em ônibus? Ela que nunca ia se passar para isso, expor suas intimidades na frente de todo mundo daquele jeito. Já estava mais do que na hora de vagar um assento para ela, que as varizes hoje estavam demais.

É BOM ESCLARECER
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