DE CABELO ESPICHADO

Capa do compacto de lançamento de ‘Última canção’, o grande sucesso de Paulo Sérgio

Já alisou seu cabelo algum dia? Não? Não sabe o que não perdeu. Basta dizer que tentei quando adolescente, para agradar namoradinha que arranjei em Santa Rita. Deu ruim.

Morava com Pai Milão e Mãe Damiana, meus avós, em 1968. Morei menos de um ano, enquanto Vicente, meu pai, fazia curso em Brasília, pra onde levou Dona Aparecida, minha mãe, as irmãs Rosane e Rejane e o caçula Roosevelt.

Ficamos eu e o mano Robson na Paraíba. Soltos na buraqueira, molecando mais do que estudando, namorando mais do que assistindo aula, dando trabalho a vô, vó e às tias Francisquinha e Socorro, autoras do alisamento que quase me fez perder o tampo do juízo.

Alisaram-me o crespo para se verem livre do sobrinho insistente. Mas bem que advertiram: o creme que usariam, uma banha ácida e fedorenta, deixaria em brasas meu couro então cabeludo. E sem qualquer garantia de sucesso ou reversão imediata.

“Depois de alisar, só desmancha um mês depois ou mais”, avisou Tia Socorro. Não liguei. Estava decidido a ficar parecido com Paulo Sérgio, cantor que havia estourado naquele ano e era portador de cabeleira indisfarçavelmente esticada. Ele faleceu precoce e tristemente em 1980, aos 36 anos, vitimado por um derrame cerebral.

Alguém, não lembro quem, dias antes do estiramento apelidara-me com o nome do artista. Fiquei todo ancho. “Se o original já lembra, com o cabelo esticado vai ficar show”, apostei. Fui à luta, enfim. Não deu outra: confirmaram-se todas as previsões e advertências de minhas tias.

Assim que uma delas começou a me espichar as mechas com um pente grosso de madeira, bateu no ato e no casco a sensação de ter ateado fogo à cabeça ou besuntado o cocuruto com uma mistura de chorume e pimenta-malagueta.

Só faltei correr doido por dentro de casa, porque não podia de jeito algum sair pra rua… Nem lavar o cabelo nem botar gelo; sem poder fazer nada, nada mesmo, que me aliviasse a dor temperada no arrependimento.

E o cheiro? Obrigou-me ficar dois dias enfurnado, sem botar a cara na porta da frente. Ver namorada, nem pensar! Como não bastasse, ainda tive que usar uma touca de redinha de laranja – dormindo com ela, inclusive – para moldar o penteado a la Paulo Sérgio.

No terceiro dia de confinamento, odor amainado, o espelho iludiu-me com esperança de melhora na aparência. Decidi que chegara a hora de me reapresentar à menina que àquela altura deveria estar no mínimo intrigada com o meu sumiço.

Fui. Tomado banho, exalando Alma de Flores no corpo quase todo e Leite de Rosas no sovaco, levei na bagagem o meu sorriso mais armado e confiante e uma enorme esperança de causar boa impressão.

Ela estava na Praça do Pirulito, conversando com as amigas Deuka e Ivete. Quando cheguei perto, as três me olharam um tanto surpresas ou assustadas, até hoje não sei. Mais provável a segunda hipótese, a julgar pelo que ouvi.

– Menino, que marmota é essa, hem? – foi a pergunta de quem eu esperava um elogio ou, no mínimo, silenciosa aprovação. Em vez disso, gargalhadas impiedosas.

Humilhado, dei meia volta e saí dali quase correndo, sem dizer palavra. Voltei pra casa segurando o choro, mas intimamente cantando o grande sucesso do ídolo de momento.

  • Essa é a última canção
  • que eu faço pra você…

É BOM ESCLARECER
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3 Respostas para DE CABELO ESPICHADO

  1. Marcos Tadeu escreveu:

    Beleza Rubão

  2. Antonio Carlos Ferreira de Melo escreveu:

    Maravilha Rubinho, voce como sempre nos premiando com seus valiosos escritos. Abraço

  3. João Trindade Cavalcante. escreveu:

    Amigo Rubens:
    Já fiz essa besteira também.
    E o pior é que meu cabelo era liso; apenas, um pouco ondulado.