Uma lenda chamada Marconi Góes

“Só duas pessoas Marconi não bota pra fora de jeito nenhum d’O Norte. Uma é Dona Beth, a contadora, porque sabe de tudo. A outra é Zizinho, o ajudante de ordens, porque não sabe de nada”.

Beth e Zizinho são nomes fictícios de pessoas reais que conviveram e trabalharam com Marconi Góes de Albuquerque, falecido em 20 de setembro de 2016, aos 80 anos. No auge da fama e da forma, ele foi o mais influente empresário da comunicação na Paraíba do século passado, no período que vai de 1969 ao começo da década de 90.

Histórias como a de Beth e Zizinho compõem a antologia das histórias, reais ou não, que fazem a história de Marconi. Pois dele diziam “de um tudo”, de bom ou de ruim. Tanto que sua figura, trajetória e carisma o elevaram ao patamar das lendas vidas da imprensa paraibana enquanto comandou os Diários Associados na Paraíba.

Temido por uns, respeitado por outros e até odiado por alguns, a influência de Marconi decorria, sobretudo, do fato de dirigir e muitas vezes direcionar O Norte, o jornal carro-chefe da ‘cadeia associada’ no Estado, formada ainda por Rádio e TV O Norte, de João Pessoa; Diário da Borborema, TV Borborema e rádios Borborema e Sociedade, de Campina Grande.

O direcionamento do jornal e de todos os demais veículos sob a liderança de Marconi, em favor de qualquer causa ou interesse, resultou quase sempre em vitórias e alcance de objetivos enquanto O Norte foi líder de circulação, de informação e de opinião durante seu ‘reinado’, que durou – estimadamente ou estimativamente – de 1972 a 1992.

O poder de fogo de O Norte era tanto que veículo e condutor seriam capazes de derrubar até governo, adoram dizer até hoje os ‘marconistas’ remanescentes. Menos, menos… Chegava perto! Governador não derrubava, mas secretário de Estado… E mesmo o governante que por qualquer motivo se metia a encarar a fera saia da refrega “com escoriações generalizadas”, para dizer o mínimo que diria o velho Juarez Félix da ‘página policial’.

Casos houve de fratura exposta, a exemplo do ‘Atentado do Gulliver’, restaurante chiquitoso da capital paraibana que não cometeu atentado algum, óbvio, mas serviu de cenário – em 5 de novembro de 1993 – à tentativa de homicídio protagonizada pelo então governador Ronaldo Cunha Lima contra Tarcísio Burity.

A vítima era amigo pessoal de Marconi e antecessor imediato de Ronaldo, que na época pendurava o comandante dos Associados na Paraíba na galeria dos inimigos. Burity governara a Paraíba por dois mandatos. De 1979 a 1982 como governador biônico, nomeado pela ditadura, e de 1987 a 1990 como governador eleito.

Marconi Góes dividia animada mesa de almoço e bate-papo com Burity e o e ex-deputado Manoel Gaudêncio quando Ronaldo entrou no restaurante e disparou três vezes no adversário. Não matou, mas feriu gravemente quem horas antes teria feito graves acusações ao jovem superintendente da Sudene Cássio Cunha Lima, filho do governador, durante entrevista à TV O Norte.

Antes de seguir, um esclarecimento.

Não cabem nestas ‘Memórias’ uma revisita ou revisão do Caso Gulliver. A referência entra apenas para situar episódio impactante da história recente da Paraíba, coincidindo com os estertores do poderio de Marconi e dos Associados na Paraíba. Na Paraíba, bem entendido. No plano nacional, o conglomerado fundado por Assis Chateaubriand há muito perdera força e prestígio para as Organizações Globo de Roberto Marinho.

Copiando Dimenstein

Tive quase nenhum contato pessoal com Marconi Góes na minha primeira passagem por O Norte (1974-77), onde iniciei aprendizado de jornalismo. Voltei ao jornal “de” Marconi em abril ou maio de 1992, após ser demitido da editoria-geral do Correio da Paraíba por ter publicado no jornal um artigo de minha autoria carregado de contundente ironia sobre aparente omissão do governo Cunha Lima diante de um surto de cólera no Estado.

Contarei adiante minha história no Correio, incluindo a parte que me cabe de responsabilidade na demissão a que me referi há pouco. Continuando…

De volta a O Norte, dessa vez como colunista de colunismo bastante crítico à gestão de Ronaldo Cunha Lima, entrei para o rol dos jornalistas da casa frequentemente convidados por Marconi Góes para conversas sobre a situação política e administrativa do Estado.

Meu prestígio naquele olimpo aumentou, acredito, depois que publiquei no caderno de classificados do jornal um anúncio cifrado que antecipava em quase um mês o resultado de milionária licitação da Saelpa, a concessionária de energia elétrica da Paraíba, cujos diretores eram todos nomeados pelo governador. Uns por critérios técnicos, outros – maioria, talvez – por indicação ou compadrio político.

Fiz tal e qual Gilberto Dimenstein fizera dois ou três anos antes na Folha de São Paulo para denunciar bilionária maracutaia na contratação de empresa para construir a Ferrovia Norte-Sul, se não me trai a memória pouca. De qualquer sorte, o feito rendeu um Prêmio Esso, Oscar do jornalismo brasileiro, ao brilhante profissional do diário paulistano. Já a minha clonagem daquela façanha em ‘jornal de província’ valeu-me a ira de todo um governo e de seus contemplados aduladores na imprensa local.

A licitação da Saelpa destinava-se a escolher fornecedor de novos equipamentos e materiais diversos que, em tese, melhorariam e ampliariam a rede e os serviços de distribuição da finada estatal que vendia eletricidade em todo o território paraibano, com exceção de Campina Grande, reduto eleitoral e político dos Cunha Lima.

Bem, paremos por aqui, “pelo enquanto”. Conto mais sobre Marconi Góes e o Caso Saelpa, incluindo a revelação da fonte que me deu aquela luz, em próximo artigo desta série que inventei para não deixar passar em branco meus 45 anos de jornalismo.

  • Imagem: Marconi Góes por Marcone Ferreira (marconeferreira.com)
É BOM ESCLARECER
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4 Respostas para Uma lenda chamada Marconi Góes

  1. Genesio Sousa Neto escreveu:

    Muito bom Rubão, brilhante memória.

  2. Djair Toscano escreveu:

    Convivi com Marconi Góes desde a data de inauguração da TV O Norte (1987)ele me convidou (trabalhava na TV Globo Minas) para ser gerente comercial e Abelardo Jurema era o superintendente, período de luta e batalhamos muito desde as obras daquele prédio até o funcionamento da TV início da FM O Norte.

    • Rubens Nóbrega escreveu:

      Grato, Djair. Fomos contemporâneos nesse convívio. Você já se destacava pela versatilidade e competência, atributos que certamente Marconi percebeu e motivou o convite que lhe foi feito pelo big boss dos Associados.