Segurança sob intervenção num país tropical – Parte 2

• por Arnaldo Costa

Exército policia ruas no Rio (Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil)

Logo após o anúncio espetacular da intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro a minha posição foi de concordar, com várias restrições, com tal intervenção por alguns aspectos que inicialmente foram apresentados ao público em geral.

Fico pasmo em ver tanta gente que se diz atualizada e até culta continuando a defender essa intervenção por ser necessária pelo quadro de tanta violência, principalmente durante o carnaval.

Na contramão dessas defesas de fácil apoio, posso apresentar mais de quinze boas evidências de que tal intervenção é uma invencionice tupiniquim. É igual a um pé de jabuticaba: só dá no Brasil. Então, vamos por partes.

Primeira: o Rio está muito longe de ser uma das cidades mais violentas do Brasil. Segundo o IPEA e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o Rio não figura entre as 30 cidades mais violentas do Brasil. Nem figura entre as dez capitais brasileiras mais violentas. Só que no Rio as cenas de violência são “espetacularizadas” pelos jornais nacionais das emissoras de TV. Basta dizer que a taxa de homicídios do Rio de Janeiro é de 32 por 100 mil habitantes, enquanto que em Sergipe é de 64, no RG do Norte é de 57, Alagoas com 56 e no Acre é de 55 por mil habitantes. Mas o Rio é o Rio, para onde os holofotes estão sempre direcionados.

Segunda: essa intervenção só se deu depois do carnaval, quando a lógica mandaria tal intervenção ser exatamente antes do carnaval. Já começou errado, pois não foi precedida de o mínimo de planejamento. E olhem que o Exército é bom em planejar. Nem que seja planejar para guerras imaginárias. E que continuem imaginárias. Se não, estaremos fritos.

Terceira: o Interventor, mesmo com vasta bagagem de serviços prestados, incluindo missão de paz no Timor Leste, não tem expertise de policial. Se bem que no Rio de Janeiro está cheio de dirigentes policiais, apesar de experientes, muitos têm se mostrado corruptos. Um detalhe: no sudeste asiático, ele teve missão de paz. No Rio, a missão é bem diferente.

Quarta: os militares das FFAA não possuem poder de polícia nem apoio jurídico que possam respaldá-los em suas ações. Além disso, há o detalhe crucial da idade média desses soldados que gira em torno dos 20 anos. Uns imberbes trocando tiros e se arriscando contra bandidos que não dão valor às suas vidas. Jogar esses jovens nessa guerra caracteriza um ato de injustificável irresponsabilidade por parte do Governo Federal. Muitos desses militares vão parar nos Tribunais da Justiça Militar.

Quinta: nas próprias FFAA há Oficiais de altas patentes que discordam veementemente de tal intervenção, principalmente pela maneira estabanada como foi feita. O Exército corre o risco institucional muito grande. E a tendência é que vai pagar muito caro.

Sexta: sobre essa intervenção há diversas opiniões abalizadas contrárias. O alto comissário da ONU para direitos humanos, Zeid Al Hussein, afirmou: “as forças armadas não são especialistas em segurança pública nem investigação”. Além dessa posição contrária, há inúmeros protestos de cientistas políticos e estudiosos credenciados a respeito de defesa social e segurança pública. Tais reações indicam que essa intervenção é temerária e altamente arriscada, tanto para o próprio Governo Federal como para as comunidades envolvidas.

Sétima: essa intervenção não passa de uma grande farsa política e uma tremenda estratégia engendrada pelo Palácio do Planalto, visando melhorar a imagem do Temer perante o público. E que por trás também está o Deputado Rodrigo Maia, sedento para alçar outros patamares políticos, até como candidato à Presidência da República. Resumindo, vejam o que diz a antropóloga Jacqueline Muniz: “é uma teatralidade operacional de alto custo e baixo rendimento e eficácia”.

Oitava: ação militar ou policial em qualquer localidade marcada por violência crônica só terá probabilidade de sucesso se for acompanhada de outras ações do poder público, através de equipamentos comunitários. Tudo isso e mais a liberação para os serviços básicos para uma comunidade, como os serviços de correios, entrega de gás, consertos de redes elétricas, além da necessária neutralização das milícias. Sem essas ações, todos os esforços e riscos humanos dos militares das FFAA e policiais serão inúteis. Esse filme já foi rodado várias vezes lá mesmo no Rio.

Nona: os grandes chefes das gangues não moram nas favelas. Lá só se escondem bandidos “piabas”. Os “tubarões” moram nos bairros mais ricos, como Leblon, Ipanema, Lagoa, Gávea e em condomínios luxuosos como no Jardim Botânico, inclusive de difícil acesso para a polícia.

Décima: há fortes indícios de que drogas e armamentos pesados entram nas favelas contando com respaldo indireto de personagens de altos escalões dos três poderes. Planos de Ações do Interventor e canais de informação por mais trabalhados que sejam, com certeza serão interceptados ou neutralizados por “forças ocultas”.

Caros leitores, na Parte 3 apresento mais outras evidências de que essa intervenção é mais uma invencionice tupiniquim. Esperemos! Se você tem algum comentário, que o faça.
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O autor é Professor de Administração Pública, Coronel R/R da Polícia Militar e Pós-Graduado em Filosofia

 

É BOM ESCLARECER
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Uma resposta para Segurança sob intervenção num país tropical – Parte 2

  1. Arael M. da Costa escreveu:

    Eis, aí, o retrato em preto e branco da natureza dessa intervenção midiática, que talvez esteja chegando ao seu ápice de desmoralização com esse crime espetacularizado por circunstâncias quase que corriqueiras no dia-a-dia do Rio de Janeiro.
    Se o ímpeto se solução é verdadeiro que se apurem também, outros crimes semelhantes – pelo menos, como o do prefeito Celso Daniel.