O MEDO À LIBERDADE (II), por Rubens Pinto Lyra

A obra do filósofo alemão Erich Fromm inspira artigos de Pinto Lyra sobre ‘O Medo à Liberdade’ (Foto: Wikipédia)

A compreensão da inclinação que têm os indivíduos, em períodos de crise, a renunciar à sua liberdade (quando, por exemplo, sentindo-se desamparados, escolhem um candidato, sem outro critério que a oferta de maior segurança) passa pela percepção de que a dinâmica social interage dialeticamente com os processos que atuam no íntimo do indivíduo.

Para entendê-lo, portanto, faz-se mister apreciá-lo à luz da cultura que o molda. Destarte, a análise do aspecto humano da liberdade e sua relação com o autoritarismo obriga a reconhecer os fatores psicológicos como forças ativas nos processos sociais e a enfrentar o problema da interação dos fatores psicológicos, econômicos e ideológicos na determinação desses processos.

Debruçando-se sobre a psicologia das massas no nazismo, Erich Fromm, famoso psicanalista alemão, assim se expressa: “Fomos compelidos a reconhecer que milhões de alemães estavam ansiosos a abrir mão de sua liberdade do mesmo modo que seus pais haviam estado dispostos a lutar por ela; que, em vez de desejarem a liberdade, eles buscavam meios de fugir dela; que outros milhões eram indiferentes e não julgavam valer a pena lutar e morrer em defesa da liberdade (O Medo à liberdade, 1941)”.

Ele se refere também à utilização de símbolos identificadores das ideologias totalitárias, escolhidos pelos inimigos da liberdade humana, como a cruz gamada do nazismo e os feixes do fascismo, que significavam união e obediência.

Também tivemos, na época do regime militar, o mote, amplamente difundido, “Brasil: ame-o deixe-o”, como agora temos “O Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”, os três da mesma matriz fascisante.

Com efeito, eles procuram associar, de forma subliminar, o sentimento patriótico (e o último, também o religioso) a uma concepção de viés totalitário que confunde o amor ao Brasil com uma visão homogênea da nação, da qual estão excluídos todos de que dela dissentem.

São considerados inimigos da Pátria que devem exilar-se, serem presos ou colocados à margem da lei. Da mesma forma, as análises de Fromm referentes à Alemanha nazista se aplicam às diferenças geracionais no Brasil, no tocante às opções políticas.

Nos anos sessenta, os jovens e, com eles, grande parte da Nação, somente concebiam a sua edificação fundamentada nos valores da justiça social e da democracia. Essas questões faziam parte do seu dia a dia. Por elas, não poucos sacrificaram seus interesses imediatos, alguns a própria vida.

Já nos dias de hoje, muitos jovens, assim como boa parte dos cidadãos brasileiros, não se orientam mais por esses valores; na prática, os desconhecem. Assim, o voto em Bolsonaro foi pautado pelo pragmatismo, importando pouco o seu maior ou menor apego aos valores democráticos e igualitários.

A despolitização do voto fez com que, na Europa, quando o fascismo e o nazismo ascenderam ao poder, poucos imaginassem o que estava por vir, não se dando conta do ribombo do vulcão que precedeu a erupção.

Sabemos desde Marx que a natureza humana deriva do processo social, sendo, portanto, passível de aprimoramento, inclusive no que diz respeito à compreensão dos processos políticos.

Destarte, vencer os impulsos que conduzem os homens à submissão totalitária a salvadores da Pátria figura entre os maiores desafios desta e das gerações que a sucederem.

O caminho será a construção ininterrupta de uma cultura de cidadania que, ao consolidar-se, torne-se agente, por excelência, da liberdade humana e da realização dos ideais de justiça e democracia.

  • Rubens Pinto Lyra é Doutor em Ciência Política e Professor Emérito da UFPB
  • Contato: [email protected]
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