O MEDO À LIBERDADE (I), por Rubens Pinto Lyra

Este é o primeiro artigo de uma série na qual o autor analisa o ‘Fenômeno Bolsonaro’

As últimas eleições presidenciais foram absolutamente atípicas, com a vitória alcançada pela extrema-direita militarista, favorável às privatizações em larga escala; à diminuição de direitos sociais e politicamente simpática à ditadura militar, resultando eleito fã declarado do maior torturador desse período, cel. Brilhante Ustra.

No âmbito cultural e ideológico, Bolsonaro defende a restauração da “família conservadora”, a Escola sem Partido e a criminalização da “apologia ao comunismo”. Ademais, cultiva a delirante obsessão de combate ao “marxismo cultural”, supostamente responsável, até, pela ideologia da globalização!

Para ele, “bandido bom é bandido morto”: a segurança pública se faz em detrimento dos direitos humanos, sempre confundidos com os dos criminosos. Além disso, a oposição de esquerda foi invariavelmente apresentada como antipatriótica. Para extirpá-la, o Deputado Eduardo Bolsonaro, um dos filhos do “mito”, cogita prender 100.000 oponentes.

Mesmo esse ideário regressivo e autoritário, com a possível utilização de fake news na campanha eleitoral e a fuga sistemática de debates de candidato sem nitidez programática nem competência política demonstrada, não abalou a preferência dos seus eleitores. Também não os afastaram o voluntarismo, o destempero, a misoginia e a homofobia do capitão reformado.

Tão chocante escolha , envolvendo a maioria dos eleitores de todas as classes sociais e regiões do país (salvo os do Nordeste), deixou os “cientistas políticos”, os meios ilustrados e o mundo civilizado perplexos. O que teria, afinal, ocorrido?

Sabe-se que o voto em Bolsonaro não foi determinado pelas suas qualidades pessoais ou por opção programática. Pesou decisivamente a situação do eleitorado, temeroso do desemprego e da insegurança, ambos crescentes, indignado com a degenerescência dos partidos e com a corrupção generalizada e endêmica do Estado.

Também pesou na balança um antipetismo fanático, adrede propagado pelo monopólio midiático e por todos os meios de informação de que dispunham as classes dominantes com vistas ao –frustrado – aniquilamento do PT. E, ainda, os descaminhos, políticos e administrativos, desse partido e de suas lideranças, muitas das quais consideram os que desejam sua autocrítica inimigos do petismo, o que revela profundo distanciamento da realidade.

Mas somente o aflorar de um autoritarismo visceral, entranhado nas camadas mais recônditas da formação social brasileira, nunca antes manifestado tão fortemente como agora, pode explicar que uma maioria de eleitores tenha deixado de escolher entre candidatos dos partidos democráticos existentes para trilhar o caminho obscuro, cheio de escolhos, representado pela eleição do capitão reformado.

Recentes episódios históricos parecem confirmar essa tese. Sentindo-se desamparado, o eleitor abdica de seu direito de escolher uma alternativa político-eleitoral plenamente consentânea com as políticas públicas com que se identifica e com os seus ideais democráticos. No Brasil, ele transferiu para uma autoridade superior (o “mito”) a resolução dos problemas que lhe afligem, e a sociedade.

Essa incapacidade de assumir suas responsabilidades como cidadão diz respeito à psicologia das massas. Ela tem de ser incorporada ao instrumental teórico dos estudiosos como um dos aspectos mais relevantes para a compreensão do comportamento político nas sociedades contemporâneas.

Um brilhante analista desse ramo da psicologia, Eric Fromm, no seu clássico “O Medo à Liberdade”, apontou a propensão do indivíduo, em períodos de crise, a renunciar à liberdade, como fator determinante para o advento dos regimes nazi-fascistas. O estudo desse comportamento é premissa indispensável para que se procure afastar o perigo de as sociedades democráticas se metamorforsearem em regimes totalitários.

  • Rubens Pinto Lyra é Doutor em Direito Público e Ciência Política e Professor Emérito da UFPB
  • Contatos: [email protected]
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2 Respostas para O MEDO À LIBERDADE (I), por Rubens Pinto Lyra

  1. José Antonio Spinelli escreveu:

    O Prof. Rubens Pinto Lyra prima em suas intervenções por chamar atenção para aspectos muitas vezes pouco abordados nas análises correntes. Essa chamada para a psicologia das massas, abordada por clássicos (Freud, Ortega y Gasset, Wilhelm Reich e Erich Fromm, entre outros) é extremamente pertinente.

  2. Luis Carlos Sitônio escreveu:

    Espetacular!!! Nunca tinha atentado pata este fator, que explica de forma categórica e definitiva esse “fenômeno” eleitoral: A RENÚNCIA À LIBERDADE!!! Renuncio a qualquer outro comentário!!!