CIRO, O PT E A ESQUERDA, por Flávio Lúcio Vieira

Ciro tem serviços prestados aos governos petistas, mas é hostilizado pela esquerda do PT

Quando escuto e leio o que muitos petistas dizem e escrevem hoje a respeito de Ciro Gomes lembro dos enfrentamentos que muita gente boa do partido teve nos anos 1980 com Leonel Brizola, hoje, apresentado como um dos ícones da esquerda: “Caudilho! Populista!”

Brizola, claro, não se fazia de rogado e sapecava um “o PT é a UDN de tamancas”, a frase de Darcy Ribeiro, eterno brizolista, que a esquerda não-petista gostava de repetir em razão do apego do partido ao discurso “contra a corrupção” que beirava o moralismo, e, em muitos casos, era mesmo.

Isso em embates cara-a-cara num tempo em que tanto a Internet como as redes sociais (essas mais ainda) estavam distantes de invadir nossas vidas e a forma de fazer política.

Ao longo de quase toda a década de 1980, o PT denunciou sozinho as alianças eleitorais da esquerda quase como um crime contra a classe trabalhadora, discurso que era dirigido, sobretudo, ao PCdoB e ao PCB. No caso de Brizola, este foi ainda mais longe ao permitir que, sem apoios à esquerda nessas regiões, grupos conservadores entrassem no PDT, principalmente no Nordeste. Wilson Braga, por exemplo, foi candidato a governador da Paraíba pelo partido de Brizola, em 1990.

Era um tempo dos grandes quadros políticos nacionais da esquerda, um vigoroso e consistente encontro geracional entre os que foram impedidos de continuar a fazer política pelo Golpe de 1964, como Brizola, Arraes, Luís Carlos Prestes, João Amazonas, Waldir Pires, e a nova geração dos que nasceram para a política durante a ditadura, entre eles Lula e Fernando Henrique Cardoso. Depois viriam os Lindbergs, as Gleises, os Paloccis.

Durante os anos 1980, a política de alianças do PT foi orientada pelos trotskistas, que rejeitavam acordos até com os comunistas. Estes últimos, depois de terem apoiado Tancredo Neves no Colégio Eleitoral para por fim à ditadura, iniciaram uma aproximação com o PT para o desespero dos antialiancistas, como a Convergência Socialista, que fundaria o PSTU anos depois.

Quando a aliança para a Prefeitura de São Paulo entre PT, PCdoB e PCB se efetivou teve um impacto gigante que derorientou muita gente nesses partidos. Mas a vitória de Luíza Erundina na maior e mais importante cidade do Brasil mostrou duas coisas: que o PT finalmente havia se tornado hegemônico na esquerda e que o partido havia se constituído num poderoso polo aglutinador desse campo, o que se confirmou no ano seguinte na eleição presidencial.

Na campanha memorável de 1989, Lula não apenas superou Brizola no voto, mas a tradição do trabalhismo que ele representava na esquerda brasileira. Era uma nova esquerda que surgia resultado da nova sociedade que emergira da modernização promovida pela ditadura. Essa nova força foi capaz de ir ao segundo turno e quase derrotar Fernando Collor, o candidato do Consenso de Washington e, por isso mesmo, da Globo, dos bancos, da Fiesp e do agronegócio.

O PT cresceu no vácuo de uma combinação de crises, mais ou menos como a que vivenciamos agora: econômica, ética, de legitimidade que a “Nova República” sarney-demo-peemedebista havia levado o país. Em 1989, ainda vivíamos os rescaldos de uma transição e a memória da ditadura ainda estava muito viva. Além disso, o sistema partidário também se reconfigurava com o PSDB, que nascera de um racha do PMDB em 1987, caminhando para a direita porque se convertia na estrutura orgânica do grande empresariado para ser o aglutinador do polo neoliberal.

Mas o PT só se projetou para o exercício do poder quando foi capaz de deixar claro qual era mesmo seu projeto de Brasil. Lula, por exemplo, nunca esteve à vontade com o programa de 1989. O da campanha de 1994, quando a cor vermelha foi abolida da campanha, também não.

Depois de 1990 o PT viveu uma confusão que quase levou o partido à rendição ao neoliberalismo − uma inesquecível e polêmica entrevista de Aluízio Mercadante à revista Exame marcou época na esquerda, − quando influentes petistas de São Paulo chegaram a defender uma aliança estratégica com o PSDB.

Entre 1989 e o segundo governo Lula, o PT não apenas ganhou uma identidade, mas se redefiniu como partido ao incorporar como sua a tradição iniciada no Brasil por Getúlio Vargas, Jango e Brizola: o modelo econômico ganhou atualidade e mais clareza e suas ideias a respeito da inserção internacional do Brasil assumiram a radicalidade e a ousadia que uma conjuntura marcada pela crise sistêmica da hegemonia americana exigia.

E por que isso aconteceu? Porque esse projeto, como eu já disse, não tem dono, não é apenas de Lula, apesar de Lula ter dado a ele uma base social e política de massas e popular ao integrar nele o povão, os deserdados, os esquecidos. Ele será também de Boulos, a julgar pela entrevista concedida por ele ao Roda Viva.

Essa é, sempre foi a clivagem fundamental do Brasil: a questão nacional − a defesa da economia brasileira (do investimento público e privado, do emprego, da melhoria e distribuição da renda do trabalho, da democratização do acesso à terra, da melhorias dos serviços públicos), e da unidade nacional (porque essa divisão atual torna qualquer projeto inviável) só podem ser bandeiras da esquerda.

Isso porque a direita brasileira e latino-americana não sabem desempenhar outro papel que o da defesa dos interesses da plutocracia e do rentismo, realidade que se expõe com frieza e didatismo insuperáveis quando apenas seis pessoas no Brasil detêm mais riqueza do que mais de 100 milhões de brasileiros! E a imagem de Jair Bolsonaro prestando continência à bandeira dos EUA e entregando seu programa econômico a um economista dos bancos é sintomático desse servilismo.

Portanto, qualquer projeto da esquerda que nasça depois de 2018 tem que responder a esse desafio histórico.

Infelizmente, muitos petistas, sobretudo na chamada “esquerda petista”, parecem estar de olho apenas nos nichos para os quais falam e são aplaudidos. Não se aperceberam ainda do tamanho do poder dos adversários e do que está em jogo.

Por isso, soa para mim incompreensível os ataques que alguns petistas proferem contra Ciro Gomes. Ele era um ótimo quadro quando apoiou o PT e deu grande contribuição aos governos Lula e Dilma, e sempre fez isso com lealdade e sem bajulações.

Ciro foi um crítico de primeira hora das alianças com o PMDB. E mesmo ao ser preterido para dar lugar a Dilma, e depois a Michel Temer, Ciro manteve o apoio. O tratamento que recebe, hoje, de certos setores do partido beira a indignidade. Mais ainda, revela a falta de compromisso com o Brasil e seu povo, sobretudo num quadro de ataques a direitos sociais e à soberania.

Ainda bem que Lula sempre foi maior, muito maior (em muitos sentidos) que esses setores do PT.

É BOM ESCLARECER
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2 Respostas para CIRO, O PT E A ESQUERDA, por Flávio Lúcio Vieira

  1. ANDRÉ escreveu:

    FORA CIRO GOMES. EU SOU CEARENSE E TE CONHEÇO HIPÓCRITA DESEQUILIBRADO

  2. RADAR escreveu:

    Atribuem ao ex-ministro José Américo a seguinte frase: ” No Brasil não existem partidos políticos, mas aqueles que comem quando estão no poder, e os que gritam por que não estão comendo.”

    Se não ela o ex-ministro, peço desculpas desde já.

    Mas, falar em direita e esquerda, chega a ser risível. Afirmar que o PT é um partido de esquerda, chega a ser ridículo. Nunca foi. Não passa de um agrupamento de esquerdopatas, um movimento formatado por gente de todos os matizes, pensáveis e inimagináveis, inclusive, com um discurso enganador prá ludibriar incautos, analfabetos e desinformados. E tanto é assim, que conseguiram eleger seus pares e o ladravaz , com a mentira, com a manipulação de dados e informações. Jamais com a verdade.