Greve longa é tortura e só contribui para descrédito da Universidade, diz professor da UEPB

(Foto: Ilustração/Melhores do Enem)

Sob o argumento de que as greves de longa duração são um instrumento de pressão inadequado e ineficaz, que só contribui para torturar a comunidade acadêmica e desgastar a imagem da Universidade pública, inclusive fortalecendo o discurso da privatização da instituição, o Professor Eli Brandão defende, em artigo que o blog reproduz adiante, o retorno às atividades na Universidade Estadual da Paraíba (UEPB).

Considerações sobre a Greve 2017 na UEPB

  • Por Eli Brandão

Colegas, retomo aqui reflexão feita em 2015. Falo do lugar de professor do Departamento de Letras e de cidadão, que pressupõe a greve dos servidores públicos como direito legítimo e inalienável e como justas as reivindicações do movimento. 

Nos últimos anos, houve grande expansão da Universidade Pública no Brasil, maior democratização do acesso ao Ensino Superior bem como revolucionária inclusão social. Contudo, ainda vivemos num país que possui grande déficit de vagas no Ensino Superior, mais concentrado nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste.

Contrariamente, os governos, em tempos de crise e inspirados em ideais neoliberais, priorizam o corte de investimentos na Educação. Neste cenário, não se pode esperar que o papel da comunidade acadêmica seja outro senão o de lutar permanentemente não só para consolidar as estruturas existentes, mas também para ampliá-las e, ao mesmo tempo, buscar estabelecer com maior seguridade marcos regulatórios que garantam o financiamento da Universidade Pública, a dignidade do trabalho, a permanência dos estudantes e a qualidade do ensino, pesquisa e extensão.

A educação é atividade essencial à sociedade e precisa ser entendida como potente meio de transformação social, direito de todos e dever do Estado. Mas, observando os discursos falaciosos, a subtração de direitos, omissão e indiferença de políticos que ocupam cargos no Legislativo e no Executivo, só podemos interpretar como um descompromisso com a educação de modo geral e com a Universidade de modo particular, além de desrespeito aos Professores e Técnicos.

É um absurdo imaginar que uma Universidade inteira tenha que parar suas atividades só para que um comando de greve fique tentando conseguir audiência com o governo. Embora existam outros motivos, as greves na UEPB têm sido deflagradas por um motivo central: a falta de reajuste salarial na data-base.

A legítima contestação das categorias é sempre contra o descumprimento da exigência constitucional, a saber, a reposição das perdas salariais, que quase sempre não fica garantida pelo índice da inflação. O atual movimento tem um motivo a mais: o grave golpe dado pelo governo ao Plano de Cargos e Salários de Professores e Técnicos, por meio da suspensão das progressões.

As últimas greves também têm se caracterizado pela falta de diálogo resolutivo entre governo e Reitoria e governo e sindicatos e pela indiferença da Assembleia Legislativa. Em consequência, são paralisações de longa duração, que resultam em graves prejuízos, principalmente para os estudantes, mas também para a Universidade Pública.

Não temos dúvidas de que a conquista de melhores condições de vida e de trabalho sempre dependeram muito menos de iniciativas do Executivo ou do Legislativo e muito mais da luta dos trabalhadores. Mas o constante prolongamento das greves tem revelado que os governos estão cada vez mais insensíveis às torturas sofridas pela comunidade, o que também revela a ineficácia das estratégias de luta utilizadas pelos servidores bem como a incapacidade criativa dos líderes do movimento e da categoria de propor alternativas de estratégias de diálogo e negociação mais potentes para produzir resultados efetivos, sensibilizar, convencer ou obrigar os governantes a atender às reivindicações.

Considerando a natureza e a função dos serviços públicos essenciais, considero um equívoco a recorrente mimetização do modelo de greve do setor privado quando o aparato legislativo parece se revelar impróprio e ineficaz no setor público. Isto porque, no setor privado, a paralisação dos trabalhadores, ficando de braços cruzados em frente à empresa, afeta direta e imediatamente a produção, consequentemente, o lucro do patrão, que se obriga a negociar solução.

No caso do serviço público, a complexidade inicia com o conceito de “patrão” (quem é o patrão? Quem é afetado pela greve?) e se amplia pelo fato da comunidade ser colocada como REFÉM e como a PRINCIPAL VÍTIMA.

Na greve do setor privado, uma “coisa” deixa de ser produzida e o lucro do patrão é afetado; no setor público, uma pessoa deixa de ser servida e direitos sociais são subtraídos. Pode ser comparável a um pai ou uma mãe que, em face da abordagem de um assaltante, como principal alternativa de reação e de enfrentamento ao salteador tomasse o próprio filho como refém, submetendo-o(a) a torturas intensas e gradativas, com o intento de que o ladrão se sensibilize com suas atrocidades.

Por essa razão, as greves no setor público, POR TEMPO INDETERMINADO, não se justificam ética nem politicamente, pois, em sua RADICALIDADE, além de torturar e sacrificar a comunidade acadêmica até o limite, contribuem para o desgaste e o gradativo sucateamento e descrédito da Universidade perante a sociedade. Neste caso, não só os governos e a Assembleia Legislativa seriam cúmplices da morte da Universidade Pública, mas também o Judiciário e todos os agentes que participam deste jogo. Além disso, a greve não é fim, mas meio, e seu objetivo nunca deveria ser o de torturar a comunidade acadêmica até o seu desfalecimento, privando-a de direitos/serviços essenciais à construção.

De modo que chega um tempo em que o movimento, negocia por qualquer promessa, quer um pretexto para justificar perante a categoria o encerramento da greve. Por isso, considero que torturar a comunidade é uma estratégia equivocada, não se constituindo meio virtuoso para alcançar um fim justo. Isto porque a tortura por tempo indeterminado causa a morte do torturado.

As longas greves não demonstram, necessariamente, sua força ou expressam a capacidade de resistência do movimento paredista. Ao contrário, parecem simplesmente manifestar sintomas de sua fraqueza, de sua impotência em face do descaso dos governantes, o que é indício de que a estratégia de luta utilizada não está resultando no alcance dos objetivos da greve (exceto quando há outros objetivos eleitoreiros, partidários ou individuais, dissimulados).

Os prejuízos causados por uma LONGA GREVE na UEPB são imensuráveis, pois envolvem múltiplas questões de natureza diversa e complexa e produzem graves danos financeiros, acadêmicos, profissionais e pessoais aos estudantes, aos seus familiares, ao comércio e à sociedade.

1) Mais de três mil novos estudantes, aprovados no Processo Seletivo do SiSU, bem como os que participariam do processo seletivo de transferência voluntária e reingresso, e que já deveriam ter iniciado seus cursos, desde o início de fevereiro (como já ocorreu em 2015, de muitos estudantes pedirão cancelamento de matrícula);

2) São quase 25 mil estudantes de graduação presencial e A Distância e de Pós-Graduação, nos 8 campi da UEPB, em 8 cidades (Campina Grande, Lagoa Seca, Guarabira, Catolé do Rocha, João Pessoa, Monteiro, Patos e Araruna), sem aulas, sem a possibilidade de prosseguirem seus cursos e sem a prestação de serviços à sociedade;

3) Além do prejuízo relativo do comércio nas economias locais, há comerciantes (copiadoras e lanchonetes) com 100% de prejuízo, visto que trabalham exclusivamente para servir à comunidade universitária;

4) O Semestre 2016.2 só será concluído 30 dias depois da paralisação e o semestre 2017.1 só iniciará (quem sabe) em agosto.

Com isso, estudantes que concluiriam seus cursos em dezembro do ano passado só concluirão em julho. E estudantes que iniciariam os seus cursos em fevereiro só iniciarão em agosto (?). O que implica graves prejuízos financeiros, profissionais, acadêmicos e psicológicos, pois estudantes terão que ampliar os prazos de encerramento dos seus contratos de aluguel, além de retardarem a conclusão dos seus cursos e, consequentemente, o ingresso no campo profissional, alguns perderam oportunidades de emprego, seleções para cursos de pós-graduação e concursos públicos. Sem falar na desmotivação pessoal;

5) Quase mil estudantes deixando de atuar nas clínicas e nos projetos de extensão na área de saúde, com prejuízo para milhares de pessoas carentes que deixam de receber atendimentos.

Como considerar tais prejuízos como motivos de orgulho heroico? A quem interessa uma longa greve? Quem paga esse preço?

Depois de uma longa greve, as perdas são muitas vezes maiores do que eventuais ganhos. Uma longa greve contribui também para o fortalecimento do discurso de que é preciso substituir o servidor público pelo do setor privado, para desprestígio da universidade junto à sociedade, pois os interessados na privatização são os mesmos que também manipulam grande parte da imprensa e produzem o discurso falacioso de falta gestão e de que professor não precisa receber salário digno.

Nos últimos anos, o orçamento da UEPB vem sendo gradativamente contingenciado, mas curiosamente só tivemos greve em 2013, 2015 e em 2017 (é uma greve ímpar). Neste sentido, é preciso estar vigilante, pois uma categoria dividida por múltiplos interesses só serve aos interesses dos que intentam humilhar a Universidade.

Diante de tão graves prejuízos causados à comunidade acadêmica e à sociedade, do descaso do governo e dos deputados, os líderes sindicais e a intelectualidade universitária não podem deixar de encarar o desafio de refletir sobre a eficácia das estratégias de lutas utilizadas e sua capacidade de efetivar resolutividade.

Outro dia alguém disse que a luta na greve é como jogo de xadrez. O que poderia ser também como um jogo de futebol ou como qualquer outro jogo ou embate onde a estratégia usada é fundamental para a vitória. Neste sentido, seria tolice tentar dar um “Xeque Mate Pastorzinho” num jogador experiente. E não seria produtivo numa partida de futebol se limitar a estratégias superadas como a de que o “lateral” só pode avançar até o meio do campo e o “tiro de meta” deve sempre ser um chutão para o campo do adversário etc.

Neste sentido, é preciso considerar a sabedoria milenar em “A Arte da Guerra”, de Sun Tzu, rico tratado sobre estratégia.

“50. A estratégia sem tática é o caminho mais lento para a vitória. Tática sem estratégia é o ruído antes da derrota.”

“58. Se não é vantajoso, nunca envie suas tropas; se não lhe rende ganhos, nunca utilize seus homens; se não é uma situação perigosa, nunca lute uma batalha precipitada”.

Também não podemos também desconsiderar a reflexão em torno dos sábios conselhos de Jesus, em Lucas 14:28–32.

“Se um de vocês quer construir uma torre, primeiro senta e calcula quanto vai custar, para ver se o dinheiro dá. Se não fizer isso, ele consegue colocar os alicerces, mas não pode terminar a construção. Aí todos os que virem o que aconteceu vão caçoar dele, dizendo: Este homem começou a construir, mas não pôde terminar! Se um rei que tem dez mil soldados vai partir para combater outro que vem contra ele com vinte mil, ele senta primeiro e vê se está bastante forte para enfrentar o outro. Se não fizer isso, acabará precisando mandar mensageiros ao outro rei, enquanto este ainda estiver longe, para combinar condições de paz”.

Em tempos de cibercultura e de leis que asseguram direitos sociais, urge tirar maior proveito das novas tecnologias de informação e comunicação e de competente assessoria jurídica, criando novos espaços de interação e mobilização (emails, blogs, redes sociais, imprensa online), potencializando manifestações de rua e audiências públicas. 

Nenhuma categoria profissional tem tanto poder de informação, problematização, conscientização e mobilização quanto o professor no desempenho de seu trabalho. Professor paralisado é movimento paralisado. 

Por tudo isso, o desafio é re-significar o conceito de greve e construir novas, diversas e potentes estratégias de provocação do diálogo resolutivo, em favor da luta para assegurar direitos. Não precisamos uniformizar o pensamento, mas precisamos estar unidos na defesa da UEPB. E não haverá unidade na comunidade sem a participação de todos.

A luta é de todos, de modo que a deflagração de uma greve assim como a decisão do seu fim da greve deve ser decisão do conjunto da categoria e não só dos sócios da entidade sindical. Não somos categoria docente porque estamos filiados a uma entidade. Ao contrário do que se pensa, garantir ampla participação, pode fortalecer ainda mais o sindicato.

Para defender a UEPB, precisamos de todos, de toda a comunidade unida! Sem comunidade unida, não há movimento. Sem universidade em funcionamento, não há comunidade reunida. Sem comunidade reunida, não há possibilidade de informação, reflexão, problematização, consciência, mobilização ou luta.

A paralisação, além de subtrair direitos dos estudantes, paralisa o movimento. Sem o retorno às atividades não há comunidade refletindo ou agindo. Defender o retorno às atividades não significa renunciar à luta, ao contrário, pode significar justamente a potencialização da informação, da consciência crítica, da mobilização e da luta em defesa da Universidade pública!

Tudo o que pode e deve ser feito para defender a Universidade Pública – assembleias para debate de temas, manifestações de rua, audiências públicas, ações na justiça, etc – pode ser feito com muito mais força e participação de todos os membros da comunidade acadêmica sem esse modelo tradicional de greve. 

Considero que a tarefa que se apresenta a todos que formam a comunidade acadêmica é a de prosseguir na luta por mais verbas para a UEPB, pela reposição das perdas salariais, pelo descongelamento das progressões. Mas também acompanhar os processos em andamento na Justiça, participar do Orçamento Participativo da UEPB, acompanhar o envio da proposta de orçamento à AL, fazer gestão junto à Comissão de Orçamento e na votação pelos deputados.

Por tudo isso, para cessar os prejuízos à comunidade acadêmica da UEPB e para potencializar a informação, consciência, mobilização e luta por uma Universidade Pública e de qualidade, considero ser necessário o retorno às atividades.

  • Eli Brandão é Professor da UEPB
É BOM ESCLARECER
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3 Respostas para Greve longa é tortura e só contribui para descrédito da Universidade, diz professor da UEPB

  1. Moisés escreveu:

    Sendo um Pró-reitor, seu discurso não apresenta soluções; esse discurso deve ser encaminhado ao Ministério Público, que por sua vez apresentará um Têrmo de Ajustamento de Conduta ao Governo da Paraíba.

  2. Ozéas Jordão da Silva escreveu:

    Parabéns jornalista pela publicação do importante artigo do professor i Brandão que aborda com muita propriedade a questão da greve na UEPB.

    • nrmota escreveu:

      Um desserviço ! E tanto ! Essa é a melhor forma, a mais eficiente inclusive, para se sabotar uma greve. Greve é o direito mais natural do Mundo conhecido. É a última trincheira dos trabalhadores. E tanto é, que a primeira greve ocorrida no mundo, aconteceu na França, e deu inicio as mudanças e as conquistas dos trabalhadores. Trabalhador não faz greve por que gosta e acha bonito.
      É preciso ter consciência política de que as culpas e prejuízos não se deve atribuir aos trabalhadores(estão no limite), mas aos governos que negligenciam, fazem pouco caso com educação, aviltam os salários, precarizam a educação, fecham escolas, e assim sempre foi e continuará sendo no Socialismo Tupiniquim.
      Não se conhece greve rápida e muito menos demorada. Que que é isso companheiro !!! Existe Greve !
      No mais, O Professor Brandão ,além das muitas redundâncias e absurdas contradições, parece ser um daqueles omissos que se limita apenas a tergiversar, mas quando é a hora da onça beber água, lá ele não aparece. E tanto é assim, que a sua narrativa sabotadora, tenta atrair os estudantes incautos e despolitizados, e os desinformados. Um convite absurdo para sabotar um movimento dos mais legítimos.
      Culpar trabalhador é pelegar, é portar cegueira política, é ignorar o caos que está instalado em todos os quadrantes da educação.
      Professor, lamento muito, mas já se aposentou !!??