Feito Gonzaga, também tenho um sítio que anda comigo

Casa da Praça do Colégio, última residência em Bananeiras

Casa da Praça do Colégio, última residência em Bananeiras, que terá sua história contada no próximo capítulo

Parei sábado passado na penúltima residência da família Barbosa da Nóbrega em Bananeiras. Casa da Rua Coronel Antônio Pessoa, a principal do lugar. Casa grande e comprida, mas de quintal minúsculo e ainda por cima com metade do terreno tomado por um galinheiro e um quarto de despejo. Para compensar, talvez, o Professor Vicente comprou um sítio a três léguas do cidade. Para quem antes morou no campus de uma Escola Agrícola, pense na festa!

O sítio, mesmo pequeno, sinalizava que a gente alcançara um nível acima no acúmulo patrimonial, igual a outras famílias que a intuição de menino incluía na porção mais abastada da sociedade local. Mas, na vera, o status de proprietário rural temporariamente conferido ao nosso pai não passava de sinal enganoso de pretensa abastança.

Éramos família de assalariado, servidor público, que só ganhava um pouco mais por conta do serviço extra de avaliador do Banco do Brasil. Vivíamos em razoável conforto, mas sem jamais extrapolar o padrão de consumo adequado aos ganhos reais, sempre rigorosamente legais, do chefe da família. De qualquer modo, o sítio, pedaço de um brejo que chamavam de Mijônia, dava um grau na importância que os outros nos davam.

O mais importante, de todo modo, era dispor daquele meio valioso de autoabastecimento de frutas e hortaliças e de galinha de capoeira da melhor qualidade que vez por outra algum posseiro oferecia ao dono da propriedade.

Orgulhavam-me particularmente as bananas inglesas enormes, trazidas aos cachos para dentro da casa da cidade. “É do sítio da gente”, dizia, meio empavonado, quando distribuía o excedente a amigos ou vizinhos. Tamanha fartura a gente acomodava em um grande baú de madeira forrado com folhas secas de bananeira. O baú ocupava parte de um solário de dois metros de fundura por quatro e meio de largura, contíguo à sala de jantar.

Uma vez acomodadas no fundo da caixa até quase a metade, na sequência as bananas eram cobertas com folhas de jornais velhos e um pouco de serragem. Assim apressávamos o amadurecimento dos frutos sem recorrer ao uso do carbureto.

Maduras ou quase ou no ponto de fazer doce, comíamos banana sob todas as modalidades: in natura, batida com leite no liquidificador de fazer vitamina, amassada no garfo e temperada com açúcar cristal, canela ou achocolatado em pó.
Mamãe fazia também banana caramelada, frita na manteiga e doce de banana em calda ou cremoso. Ah, e no café da manhã ou no jantar eu costumava comer banana cortada em rodelas que imergia no leite do prato fundo onde boiavam nacos de cuscuz, de jerimum caboclo ou de miolo de pão francês.

Além da banana, do mais produzido no sítio recordo bem do amendoim com suas vagens espalhadas sobre uma lona ou lençol velho, de casal, que a gente botava para secar ao sol quando a chuva deixava. A secagem acontecia em plena calçada da frente da casa, de cara pra rua. Tinha que ser na calçada porque no nosso arremedo de quintal não havia condições. Galinhas e outras aves, pombos inclusive, dariam conta do amendoim desprotegido.

Acompanhava a exposição pública do amendoim um tremendo inconveniente: exigia vigilância quase permanente durante o dia, o dia todo, até ser recolhido e guardado à noite. Sem isso, a produção seria consumida ou destruída por vândalos transeuntes. E os vigilantes, claro, éramos os meninos de Vicente e Aparecida, fazendo semelhante trabalho em revezamento de turnos, condicionados ao horário escolar e aos deveres de casa de cada um.

Fugindo para casar

Na casa seguinte, a última em Bananeiras, fomos vizinhos do Sagrado Coração de Jesus, o Colégio das Freiras, onde minhas irmãs Rejane e Rosane estudaram da alfabetização ao ginásio, sob a didática e os cuidados das freiras devotas de Santa Paula Frassinetti, fundadora da Congregação das Doroteias.

A casa da Praça do Colégio acolheu-me na plenitude adolescente, estação importantíssima dessa viagem por lugares e sentimentos que me trouxe em definitivo para a Capital da Paraíba, cenário do meu rito de passagem para a juventude.

A casa, vis-à-vis à colina que tinha no topo o Colégio das Freiras, foi também onde ocorreu episódio decisivo para a troca de Bananeiras por João Pessoa. Aos 15 anos de idade, Rosane fugiu de casa com o namorado Fernando, que devia ter pouco mais de 18 anos e ‘roubou’ minha irmã para antecipar casamento e o sonho de uma vida a dois.

  • (sábado ou domingo que vem conto mais)
  • Sobre ‘Feito Gonzaga…’. Refere-se ao livro ‘Um sítio que anda comigo’ (capa reproduzida abaixo), do escritor Gonzaga Rodrigues, lançado em 1988 pelo inigualável cronista paraibano.livro-de-gonzaga
É BOM ESCLARECER
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9 Respostas para Feito Gonzaga, também tenho um sítio que anda comigo

  1. Maria Lúcia Lucena Cavalcante escreveu:

    Estou lhe acompanhando…, recordando os bons tempos, lembro bem de todos Sr.Vicente e D.Aparecida, família maravilhosa, fizeram parte da minha infância. Lembro bem da fuga de Rosane, éramos colegas. Aguardo o próximo capítulo…

  2. Egyto escreveu:

    Nesta casa também morou o prof. Edmilson, se não me falha a memória….

  3. Caro amigo Rubens,
    Toda a sua história sobre a infância em nossa Bananeiras é mesmo um conto inigualável. Tantos momentos das lembranças da infância naquela Cidade do Brejo paraibano. Mas, Bananeiras jamais sairá de meu pensamento. Terra de homens ilustres e ilustres foram os que por lá passaram e deram grande parcela de contribuição em sua educação, cultura e esportes. Aqueles tempos eram para nós os melhores do mundo. Não existia violência desenfreada como acontece hoje em dia em todos os quadrantes das cidades, dos estados e do pais, o que é deverasmente lamentável, e, além do mais com políticos corruptos que nos dão a impressão de que este país não tem mais jeito. Mas, voltando a velha Bananeiras, seu desenvolvimento hoje é tamanho que tudo por lá gira em torno de carestia e até parece que os preços por lá praticados são comparados aos de uma grande metrópole turística e não de uma cidade de interior. Mas, mesmo assim, salve Bananeiras e os nossos tempos de criança.

  4. Antônio Carlos Bezerra Grilo escreveu:

    Revivi um pouco da minha infância em Bananeiras, bons tempos que recordo com muita saudade. Eramos felizes e podemos testemunha com alegria esses áureos tempos.

  5. paulo oliveira escreveu:

    Quis dizer próximo capítulo!

  6. paulo oliveira escreveu:

    Bonita história, aguardo problemo capítulo!

  7. Belo texto. Velhos tempos, belos dias. Abraço forte amigo.

  8. Muito bom. É dificil escrever historia quando dela se faz parte. Deixa-se de ser narrador para ser participante. E isso sobre o solar dos Barbosa da Nobrega, fizestes muito bem. Um abraço do amigo e leitor diario, Jair Miranda

  9. Raminho Oliveira escreveu:

    Casa onde sempre fui muito bem recebido por esta familia maravilhosa, comandada por um homem de qualidades inigualáveis. De forma indireta foi um dos maiores professores da minha vida.