‘Perdi um olho’, por Sérgio Silva

O fotojornalista Sérgio Silva, culpado pela Justiça por ter sido ferido pela Polícia (Foto: Change.org)

Sérgio Silva, culpado pela Justiça por ter sido ferido pela Polícia (Foto: Change.org)

Pela segunda vez em menos de dois anos o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo considera “culpado” um fotógrafo atingido no olho por uma bala de borracha da Polícia Militar. Em 26 de setembro de 2014, o desembargador Vicente de Abreu Amadei absolveu o Estado de qualquer responsabilidade pelo tiro “não letal” que acabou com mais de oitenta por cento da visão do olho esquerdo de Alex Silveira, fotojornalista que cobria uma manifestação de professores na Avenida Paulista em 18 de julho de 2000. Em 10 de agosto de 2016, foi a vez de Sérgio Andrade da Silva receber o mesmo veredicto, agora assinado pelo juiz de primeira instância Olavo Zampol Junior.

Sobre mim, Sérgio Andrade da Silva, vítima de um projétil de elastômero que acabou com minha visão esquerda, agora pesa oficialmente a “culpa exclusiva” pela própria cegueira. A história é conhecida. Assim como muitos outros profissionais, eu estava registrando o protesto que tomou o centro de São Paulo contra o aumento da tarifa de transporte público em 13 de junho de 2013. Quando a repressão começou, resolvi focalizar a tropa de choque em posição de ataque na esquina da Rua da Consolação com a Rua Maria Antonia. Fiz algumas fotos. Ao abaixar a câmera, senti o impacto. Naquela noite, a Polícia Militar reconhece haver disparado 506 balas de borracha. Uma delas encontrou meu olho.

Não sou a única vítima daquela jornada em que as forças policiais sitiaram as ruas centrais da cidade: mais de cem pessoas foram feridas e outras duzentas foram presas, muitas delas pelo insólito “delito” de portar vinagre. Tampouco sou a única vítima do Estado de São Paulo: os cidadãos mortos e feridos pela violência policial – racialmente dirigida contra os negros e geograficamente localizada nas periferias – se multiplicam dia após dia. Ainda assim, sou uma vítima, não sou jamais um culpado, e repudio essa decisão judicial com todas as forças da resiliência e da solidariedade que vêm permitindo que eu me recupere de tamanha violência.

Antes de ser “o fotógrafo que perdeu o olho”, sou um ser humano mutilado pela Polícia Militar. O órgão que perdi não era essencial apenas para minha profissão: era essencial para minha vida. Embora eu esteja me adaptando à visão monocular, me reinventando existencial e profissionalmente, eu jamais desejaria ter perdido o olho em troca de uma indenização – e muito menos ter passado pela dor e pelo sofrimento que passei e venho passando junto à minha família e amigos por causa de um disparo de borracha que contrariou todas as normas nacionais e internacionais para a utilização do artefato.

A decisão do juiz Olavo Zampol Júnior é mais um episódio vergonhoso e monstruoso de violência judicial contra as vítimas da Polícia Militar. É mais uma demonstração de que o Estado defende apenas seus próprios interesses – e de que esses interesses definitivamente não são os mesmos interesses da cidadania. O que fazer diante de tamanha injustiça? É difícil saber ao certo. É chocante ler um documento público escrito com tal nível de desfaçatez. Mas eu escolho resistir, e sei que tenho muitas pessoas ao meu lado. Por isso, peço que assinem esse abaixo-assinado para que o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo reveja a absurda e violenta decisão do juiz de primeira instância.

Leia a decisão na íntegra.

Leia a notícia sobre a decisão.

Conheça mais sobre minha história.

RAZÃO DE SER DESTA PUBLICAÇÃO – O artigo do fotojornalista Sérgio Silva, aqui reproduzido, tem o propósito de estimular o leitor a apoiar um abaixo-assinado eletrônico aberto pelo próprio fotojornalista no Change.org. Acessando esse portal, todos podem subscrever o documento que será entregue ao Tribunal de Justiça de São Paulo. Até 7h da manhã desta terça-feira (23) faltavam 46 assinaturas para completar as 7.500 propostas como meta do recurso judicial que pode corrigir a tremenda injustiça cometida por um magistrado contra a própria vítima da truculência policial. 

 

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